sábado, 8 de agosto de 2015

Às vezes tenho vontade de prazeres ancestrais, como descascar laranjas. Ver a cor berrante se enrolar enquanto descasco, o cheiro ácido se espalhar pelo ar. Vó fala cascar. Minha vó disse estes dias: é difícil né filha, cê é cheia de alergia, seu cabelo não brilha. Eu respondi que hoje em dia o mundo corre demais e não temos mais tempo para nos reparar: como mau, não percebo, fico indisposta e meu cabelo opaco.Estou observando meus fios crescerem devagar e não tenho tido coragem para cortá-los. Coragem queria ter era para mandar ir tomar no cu, assim, bem feio mesmo na minha boca de "moça de igreja", esses trogloditas que mexem com a gente na rua, levando as mulheres a levantarem bandeiras que nem deveriam mais ter que existir.

Eu nem sei mais quais estandartes carrego. Culta é que não sou, nunca tive erudição para ler nem Guimarães Rosa, e as pessoas acham que escrevo, quando na verdade repasso divagações.Já quis ser santa, observava Teresa e Chiara e sofria por não me assemelhar à elas. As mãos das irmãs são sempre geladas da água usada no serviço, como em "lavai os pés uns dos outros", a irmã Zilda disse que maior prazer era preparar os quartos quando a gente ia para o retiro. Servil, coberta de hábito, sem vaidade para batom e rímel, eu já quis ser assim. Mas graças à Ele, que quis povo santo e pecador, mando minha mãe tirar uns três dedos da saia. É assim que venho: cheia de receios, ataques, instantes súbitos de desejo e inspiração. Depois desfio rosários, mesmo que viva a desafiar a douradíssima Igreja Católica Apostólica Romana, porque a mãe do céu é que nem mãe da terra, deixa de amar se eu desando não.

 E olha, não creio que meus desandes sejam tão desandatórios assim. Nem quando estive contida, de blusa de retiro e escapulários fui tão plena de mim. Porque minha gente, Deus é tudo! Isso é delícia, é cor, é sabor de comida de mãe. Ele é funk, batida do envolvimento. Ele é folhas caídas, dançadas pelo vento, a cor de cobre dos cabelos da menininha. Ele é a capinha laranja-berro do celular da Cássia,  amiga autêntica demais que faz das pessoas universos, e que cada instante em seu convívio é uma oração. Ela, que parou há um ano de ir na missa. Gente, Deus é eu, pegando gravadores e entrevistando pessoas. Jornalismo é sacerdócio, nada pode ser mais sacro do que ouvir e perceber o outro.

Sobre mim, só sei que faço jornalismo, não gostei de O Homem da Mão Seca da Adélia, preciso de Deus acima de todas as coisas, acho amor instável e não me apaixono nem se fizerem oferenda à Ossanha. Por favor, se alguém souber algo além me conte. Faz tempo que não faço as unhas, não as tenho para arranhar ninguém, minhas cutículas estão grandes. Antes bebia pouco café com muito leite, depois mais café que leite, hoje é café puro mesmo. Consolei-me que nunca serei magra, que meu quadril é pra ir de norte à sul. Meu coração é mapa das estradas de Minas: trechos de sol e cheiro de mato, mas com pedras severas nos entremeios.


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