terça-feira, 24 de julho de 2012

Não é que seja assim tão precioso, é só que habituei-me a tê-lo para mim.

"I need a heartbeat, a heartbeat"

Coração chato, esse meu.
Fica aqui a contorcer-se, apertar-se. Bater e se bater.
Querendo quem e o quê não mais lhe convém,
fazendo da minha vontade sua refém.

Virando um vivo e pulsante pedaço de dor aqui dentro.
Morrendo, revivendo, morrendo, revivendo.

Começa a esquecer e a lembrar-se de seu ritmo,
começa a aquecer e esquecê-lo novamente,
num frenesi de batidas descompassadas.
Uma palavra doce aos ouvidos, singelo olhar,
já se fazem suficientes para desencaminhá-lo.

Este meu músculo sentimental vai aos poucos, 
levando sua demência a todo o meu corpo, entranhando em minh'alma.
Confundindo-me a razão.

Para superá-lo, basta aprender a enganá-lo e convencer.
Como? 
Mentindo para si, para quem o faz doer.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Sociedade rima com falsidade que rima com superficialidade.

Ele não atravessava na faixa, esquecia de lavar as mãos.
bebia sua cerveja gelada, gostava da contramão.
sorria para muitas pessoas, em sua fé, tinha convicção.

Mas a sociedade julgou,
um bom coração.
E se a sociedade falou,
não há contradição.
Eles gostavam mais,
era do pacato do seu irmão.

O irmão era o engomadinho,
de camisa social e sapatos.
mais esperto que o outro,
sociedade não via seus atos.
fingia uma fé que não tinha, amava sem coração.

Mas a sociedade não julgou
o podre coração.
Ele fingiu,
 a sociedade se convenceu e assentiu.
porque eles  gostam mais,
é do falso bom rapaz.

O bicho criança.



Ao nascer atravessa-se um período de não entendimento. Entretanto no momento posterior, dos dois aos cinco anos de idade em média, a criança atinge seu momento de maior intelecto e capacidade mental. Os sentidos estão intactos, vibrantes e genialmente curiosos, numa ânsia de aprendizado e conhecimento sincero, sem serem predestinados a objetivos e metas além do próprio saber. Desta forma, ambos se fazem muito mais interessantes e proveitosos. Os olhos arregalam-se por tudo, como instrumentos a criança usa “O que é isso?” “Por quê?”, e também as próprias mãos para observar e testar tudo. É sensível para detectar a pequenez importante e seus sentimentos são simples e claros, encontrando sempre as soluções acertadas: comida, abraços, banheiro, desenho, a mãe. Não foi ainda corrompida pela as nossas más criações, não conhece a mentira. A sinceridade se transborda nas palavras, nos gestos, nos sentimentos. Diz o que pensa e pronto, não conhece a ética, a nossa necessidade de falsidade. Consegue encontrar a felicidade verdadeira justamente pela sensibilidade para encontra-la nas coisas reais e pequenas. 

Dos cinco aos doze anos, a busca pelo conhecimento das coisas vai progressivamente perdendo lugar para a busca das distrações: depois de aprender o “básico”, de entender as coisas “necessárias”, quer desfrutar das mesmas para sua diversão. De forma progressiva perde a curiosidade pelo importante. Aos poucos, sua felicidade se torna mais complexa. Se aos seis distraía-se com uma bolinha de plástico, aos sete quer uma de futebol. Vai começando a desejar carrinhos, arminhas, bonecas melhores... Aos oito, a menina sabe diferenciar uma Barbie falsificada de uma verdadeira, e quer a verdadeira porque a amiguinha a tem. Cansa-se da mesma aos nove, querendo agora além da Polly, seu parque, suas roupas, seus acessórios. Começa a perder a sabedoria a partir do momento que, mesmo ainda em sua forma mais simplória, começa a conhecer e utilizar nossas mazelas: mentiras, ambições, ofensas, egoísmo. Ainda sim, se divertir faz-se objetivo maior. 

O bicho criança atravessa sua fase mais birrenta dos doze aos dezoito: quer, e quer, e quer. Sem saber ao certo o quê e porquê, afinal aquela perda progressiva da clareza e da profundidade continua a mil. Nesta época a superficialidade das coisas atinge o grau máximo na vida deste animal, devido aos sentimentos confusos que nunca definem o que estão pedindo: viram roupas, sapatos, relacionamentos desesperados, necessidade de atenção excessiva. Aqui, tanto fêmeas quanto machos, não sabem o que fazem e não costumam pensar sobre isso. Só fazem. Só querem, só exigem, só precisam. A sua rebeldia desgovernada se transmite em comportamento, conversas, relacionamentos. Tudo para mostrar que é dono de si, para se auto afirmar. Por não saber o que fazer, age por instinto, já atiçado pelas mudanças hormonais e físicas enfrentadas na fase. Não há felicidade, sim alegria eufórica em ápices. 

Dos dezoito aos vinte e cinco em média (todos as faixas etárias são estimativas, essa porém é a que apresenta maior variação, alguns costumam ficar mais tempo na fase birrenta.), a criança toma maior conhecimento do sistema, engole todo o trambolho imposto, e entende que há um modo de se comportar,  algo a se fazer para ser feliz. Define então seu objetivo de vida: estudar para ser alguém, ter casa, carro, viagem. Escolhe uma faculdade, de preferência uma que renderá melhores salários no futuro, e às vezes, algo que tenha afinidade. Aprende a quando rir, quando mentir, a roupa adequada a cada ambiente. Começa a trabalhar e entrar nos eixos. A necessidade de alguém agora já não é mais tanto a vontade de ser orbitado e carência, e sim, ter a companhia de alguém para não estar só, pois a solidão é um dos maiores medos do bicho criança. É a fase na qual o bicho aprende a se domar e comportar, apesar da necessidade de fugir para a loucura nos fins de semana: farras da adolescência persistem, mas agora a criança está a construir o seu futuro. Aprendendo a andar na linha, equilibra diversão com responsabilidades. Nesta fase, muitos idealismos são perdidos para aderir-se ao idealismo comum ao entendê-lo por felicidade. 

Dos vinte e cinco aos trinta e cinco em média, a criança vai obedecendo, calando-se para chefes, aprendendo que algumas coisas precisam ser realmente engolidas. Mesmo amargando a alma, continua a lutar com compostura. Mesmo sem entender direito seus sentimentos e os dos outros, formula as concepções de certo e errado, e aprende a se defender das maldades do mundo e das pessoas. Se necessário gritará, brigará, esquecerá. Vai saber vingar-se, afinal, não é mais boba. É esperta. Fará tudo para ganhar. Ganhar seus objetivos, suas lutas, seu amor, seus sonhos (mesmo que vagos, distorcidos ou manipulados). Agora a criança se comporta de forma mais completa, mas luta para alcançar uma felicidade que mais parece um borrão, do que algum desenho nítido no fim do túnel. Carrega em si a ilusão triunfante de finalmente ter amadurecido.

Dos trinta e cinco aos sessenta, mais uma vez progressivamente, ela vai se consolando. Tentando; uma vitória aqui e uma perda ali, uma vontade que passa por parecer inviável demais. Trabalha, descansa, se diverte. Às vezes se desentende com os outros, enfrenta alguns sustos. Vai tirando de tudo lições. Os anseios, a sede pela luta, vai se tornando indiferente, inexistente. A criança fica entediada, com a sensação de já ter visto tudo e de que não irá conseguir mais nada, que a vida era aquilo mesmo. As mesmas sensações de alegria e tristeza constantes, algumas insatisfações nunca mutáveis. Costuma buscar alguns momentos bons que não vem com a mesma intensidade de antes para distrair a mente de todo tédio e apatia. 

Dos sessenta ao fim da vida, nota-se a tendência rabugenta da criança que agora é amargurada por não ver mais nada de novo, por nada ter para fazer ou se distrair. Reclama da coluna (o corpo aos poucos se degrada), da dor nas pernas, da comida, da visão ruim. Valoriza todas as fases anteriores de forma sofrida, ansiando novamente suas maravilhas. Apesar de estar a sofrer, teme a morte, pois representa o desconhecido. O tédio somado a falta do que fazer devido ao corpo inválido torna-se finalmente, uma nostalgia ruim. Agarra-se a coisas tolas, picuinhas bestiais. Contrária à primeira fase, valoriza as coisas pequenas inúteis e sem valor. 



P.S: Todo ser humano é um dia criança, mas nem todo permanece nesta fase o resto da vida.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Cansaço, sem estardalhaço.



 Minh’alma agoniza.
Em cada nota desse violão,
em cada grito.
Por cada coração
que me foi perdido.
Também pelo meu,
despedaçado.
Nesses pedaços quentes, pulsantes, doloridos.
Cansados. Vivos e inflamados.

É o pensar que agoniza,
e o não pensar é impensável.

Eu quero mesmo é esquecer o discurso inflamado,
os sentimentos entrelaçados.
Deitar numa cama e deixar meu coração repousar.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Viver leve, lento e bom.

Quero moça de quermesse que quer missa pra casar.

Sou uma pessoa que gosta de ruas estreitas. De vizinhos nas esquinas, senhoras em lãs, meias e chinelos, cabelos presos por grampos. Falando sobre a Luisa que vai ter neném, comentando sobre o tempo, lembrando-se de “causos” antigos. Barulho de crianças brincando na rua, a mãe chamando para dentro, já que é dia de semana e é necessário fazer a lição de casa. A menininha se senta no passeio e brinca com o cachorro da vizinha, enquanto a mãe conversa com seus vizinhos. “Levanta, Laura, cê já tá gripada, ainda senta nesse chão gelado?” 

Gosto das casas pequenas e coloridas, coladas umas nas outras, com entradinhas estreitas e muitos vasinhos de plantas, algumas flores. A portinha baixa, grades de liberdade. O vô na cadeira de balanço entre as plantas, só observando. Esperando alguém disposto a um bom papo. A vó faz tricô, escuta o padre no rádio e cuida do netinho pequeno, dá os doces da lata que a mãe não deixa dar antes das refeições. 

Cumprindo profecias adeliasísticas, o povo chupa laranja nas portas aos domingos de sol, no paraíso da sombra de uma árvore enquanto o rapaz anda de bicicleta. A missa a noite é de lei, tempo de Quermesse é festa, mexida, trabalho, alegria. 

Moça grávida aos quinze é escândalo, dias e mais dias de assuntos para o pessoal que nas portas conversam a noite, acompanhantes espantados e assíduos do caso. Não é engolido com aquele conformismo irônico do que já se tornou comum nesse nosso mundo. É escândalo, é raridade. “Bem que desde sempre a Clarinha do Manuel, já era a mais espevitada mesmo, muito pá frente. Falava com a Lúcia: num deixa Tereza andar muito com essa menina não”, o Juca comenta de braços cruzados. O rapazinho treme de medo, arrependido. Trabalha e vai ver a moça todos os dias. Estão arrumando o casório que talvez nem fosse para ser, mas que agora precisava. 

É o namoro de sofá, alegria juvenil é cinema com a mocinha. Conversas nas festas de igreja, eventos da escola. Sorriso, braços e mãos, satisfazem. Um pouco de distância, porém satisfatória. Não existe nossa atual ânsia, que nunca é satisfatória. Sem gritos, choros, alardes, grandes decepções. É coração disparado, pernas tremendo e alegria quando pai diz que aprova. E tudo vira sonho. 

Bom demais, frio sob cobertas em feriado. Parente pouco visto visita, e tem café, bolo, broa, biscoito e bolacha, tudo da melhor qualidade. A família junta dinheiro o ano inteiro, e no final vai para praia. Traz foto e lembrancinha, e um tanto de caso para ser contado na esquina. Alegria maior para ser contada, é só filha entrando em faculdade na cidade grande para ter emprego bom, filho casando com moça que é boa pessoa. 

E assim, sem fogos, tecnologia de ponta, insônia de preocupação, religião só por desespero, e sim desejo e necessidade sincera. Sem veneno escorrendo mortalmente das línguas, ambições delirantes. Sem ciclos viciosos, pressa de viver, comer, chegar, alcançar. Sem tudo isso, a vida vai. Mais bonita na hora que o céu é multicor ao pôr-do-sol. 

Eu gosto, podem me acreditar doida, mas eu gosto. Porque gotas de felicidade vêm com emoção muito maior que enxurradas da mesma. 

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Karla e os bonecos de neve.



"Todo dia o dia não quer, raiar o sol do dia"

Karla mudou-se para o Canadá aos quinze com seus pais. Problema nenhum teve com a mudança de idioma, sua mãe colocou-a na aula de inglês, espanhol, francês, natação e balé aos seis anos de idade. De violão aos onze, quando ela se cansou do espanhol, de pintura aos treze, quando se negou a continuar no balé. Martha queria uma filha qualificada, dar para a filha tudo que não pudera ter quando nova. Era isso que dizia de forma sentida à filha cada vez que Karla queria sair de algo, pois de todas essas coisas as únicas que havia realmente desejado fazer eram a natação e o violão. Mas isso não se enquadra em nossa história. 

O caso é que Martha e Carlo, ambos médicos qualificadíssimos, haviam recebido irrecusáveis propostas de emprego em Montreal. Carlo trabalharia no campo de pesquisa de uma faculdade renomada, Martha se juntaria a uma famosíssima clínica de estética como uma das principais cirurgiãs plásticas. Ganhariam uma fábula em dinheiro. Não que já não a ganhassem em São Paulo, mas dinheiro quanto mais melhor, não é mesmo? 

Karla não quis falar com seus pais sobre as lágrimas contidas ao abraçar cada amigo do Brasil antes de partir, nem sobre aquele peso chato no peito que sentia agora sentada em seu esplêndido quarto enquanto observava o mundo envolto em neve lá fora. Eles pareciam felizes demais com seus novos empregos, planejando passeios a lugares de paisagens congeladas nos fins de semana e comentando sobre seus inteligentíssimos novos colegas de trabalho. Ela não entendia porque não se contagiava com aquela alegria e ficava sentindo aquele peso esquisito no peito, a garganta apertar para conter lágrimas. 

Quis falar com Clarisse, Mariana, ou Lucas quando eles ligaram para si. Mas ficou sem jeito, pois as perguntas deles viam embargadas de alegria através do telefone e eram sempre do tipo “Como é aí?” “Vocês já foram esquiar?” “E a escola? O pessoal de lá é legal, ou é chato e metido?” “Já foi as compras?”. Ou senão, Clarisse ligava para contar de como Pablo estava lindo na educação física, que tinha beijado o Matheus e a vadia da Lúcia tinha entrado para comissão de festas do colégio. Ela ouvia as fofocas escolares enquanto Clarisse tropeçava nas palavras, afobada para contar tudo para a amiga, pensando fazer um bem imenso em mantê-la a par de tudo que acontecia em sua velha vida. No entanto, o peso no peito aumentava, e lágrimas silenciosas lhe corriam pelo rosto enquanto conversava com Clarisse. Mas ela não percebia ou não se importava com o tom choroso nas respostas curtas de Karla. 

Assim, acordava todos os dias, tomava café com os pais, trocando algumas palavras como “me passa a geleia”, vendo a mãe lhe sorrir em resposta. O pai perguntava da escola, mas não se ela estava gostando, mas sim sobre a qualidade do ensino. Ela dizia ser muito melhor do que o da antiga escola. Então ele fazia alguns comentários irrelevantes sobre as escolas nos países desenvolvidos e o fato de a excelente educação tê-los conduzido a este posto de potências mundiais, levantava, beijava a testa da filha e saía já atrasado para o trabalho. Ia para a escola, estudava, lia, sorria para quem conversava consigo. Mas aquele frio constante parecia se transmitir para as pessoas. Não conseguia achar que alguém estava realmente interessado na sua pessoa, pois as perguntas eram sobre o Brasil. Às vezes pediam para ela falar algo em português, como se ela fosse um espetáculo de circo, não aguentava mais frases do tipo “Look, she’s a brazilian girl!” pelos corredores. 

Tomou por hábito ficar na escola depois da aula para estudar, pois era realmente exigente o ensino canadense. Nos fins de semana, ia à deslumbrantes restaurantes, patinava, ia no shopping com a mãe. Carlo na maioria das vezes não acompanhava a família, pois quando não planejava aulas ou pesquisava sobre algo para o trabalho, preferia descansar. Começou a frequentar a casa de uma garota legal que havia conhecido no colégio as sextas-feiras. Seu nome era Rebecka, mas a chamava de Beck. Beck tocava violão também, então conversavam sobre música. Infelizmente, Karla não conseguia contar para Beck o que sentia. Achava que a nova amiga poderia se sentir ofendida em saber que ela estava infeliz mesmo tendo a sua amizade. Além do mais, não tinham essa intimidade toda. 

Com muitas tarefas durante o dia, até conseguia se distrair. Fazia os deveres, estudava. Voltava para casa, via TV, ia para seu computador. Cansada, tomava seu banho, colocava o pijama já sentindo o frio cortante no ar. Depois de tudo arrumado para o dia seguinte, ia se deitar. Entretanto, ao sentar-se na cama e a através da janela vislumbrar o céu escuro, ouvindo apenas o barulho da neve caindo, tudo vinha novamente à tona. E o peso no peito se tornava tão grande que ela sentia dificuldade em respirar. O choro vinha com um desespero muito intenso, de familiar de quem está com doença em estágio terminal. 

Mais desesperador que estar naquela situação horrível, era ver que ninguém estava realmente interessado em lhe ouvir. Por mais que seus olhos expressassem toda aquela tristeza, ninguém olhava realmente neles. Se olhasse, era para comentar a cor bonita, azul-verde ou verde-azul. 

Doía descobrir que tinha construído para si relações tão superficiais com aqueles que se importava, aonde os seus não possuíam sensibilidade suficiente para percebê-la mal. Sentiu sem ter certeza, que ninguém se importava de verdade consigo. Acabou por perceber egoísmo nas pessoas que amava, porque começou a pensar que em situações anteriores já havia as apoiado e se importado de verdade com elas. 

Karla consolara por semanas seguidas Clarisse, quando Rodrigo terminou com ela. Ia à casa de Lucas todos os dias quando ele perdeu seu pai. Tentava fazer a mãe sorrir quando se estressava no serviço. E milhares de outras coisas, até que enfim resolveu parar de lembrar, porque pensar faziam mais sentimentos ruins nascerem. 

E foi vivendo nessa agonia que em um dia aleatório, resolveu ir pela primeira vez ao jardim da elegante mansão. Nunca havia ido porque ele se encontrava constantemente congelado e coberto por neve. Parecendo um grande colchão empacotado por usar tantas roupas de frio, saiu andando pelo jardim mais sem cores que já vira em sua vida. 

Foi então que, meio sem ver, porque o fazia enquanto pensava na sua vida e em tudo que estava sentindo, começou a mexer na neve, montando bonecos. Fez três, lembrando-se de com algumas folhas, sementes, bolinhas de uma árvore ali perto, presentear-lhes com rostinhos. Acabara de montar três bonecos, pequenos. De modo que se resolvesse sentar, poderiam bater um papo de igual para igual em questão de altura. 

_ E aí. _ e foi o que ela disse, olhando bem nos olhinhos redondos de bolinhas que dão em árvores do que estava no meio entre os três. Ele não tinha boca (não havia nada por perto que parecesse dar uma boa boca de boneco de neve), o que lhe imprimia um ar muito sério. Seu nariz ela uma bolota grande, uma coisa que também dava em alguma árvore dali. Mas quando Karla viu no chão um galhinho divertido cheio de pontas, soube que aquele seria um nariz muito melhor. 

Fincou o galho no lugar da bolota, analisou o boneco. Foi inevitável rir. Ficara muito engraçado. 

_ Rir é tão bom. _ disse, vendo-se que já quase se esquecia do som da própria risada. Resolveu pegar outro galho, para desenhar na própria neve com ele uma boquinha rindo no boneco de nariz engraçado. Era estranha tamanha simpatia que aquele boneco lhe despertara. Acabou por desenhar boquinhas na própria neve nos outros dois também: no da esquerda, uma assustada (:O), no da direita, uma meio debochada (:}). Até havia pensado em fazer uma triste, mas tristeza bastava a sua. 

_ Você é a coisa mais divertida que já fiz aqui, sabia? _ ela disse para o de nariz engraçado, ele era realmente o de sua preferência. 

_ Mas não fiquem com ciúmes, eu gostei de vocês também. _ concluiu sorrindo aos outros dois. 

E foi desta forma que a pobre-rica menina Karla, começou a aliviar sua angústia: todos os dias em sua hora vaga, os refazia (a neve constante caindo os estragava), e ficava às vezes, até horas conversando com seus bonecos de neve. Para ser realista, não era algo que lhe resolvia os problemas, mas dizer o que acontecia em seu dia, o que estava sentido, as questões que haviam em si, causava um alívio imenso. Era como se aquele maldito peso no peito não se aliviasse, mas se tornasse possível de ser carregado. A sensação ruim continuava, mas o desespero de guarda-la para si melhorava em um simples contar a um boneco de neve. 



Um dia, Karla passou numa espécie de mercado que havia perto da sua escola. Era uma espécie de shopping, porém mais popular, como uma grande praça fechada cheia de lojinhas e restaurantes. Causava uma sensação de conforto por estar sempre cheio de pessoas, alguns vendedores ambulantes que ficavam gritando e andando pelo local, pessoas fazendo uma pequena pausa para o lanche, comerciantes sorrindo para conseguir clientes. Todo aquele barulho, confusão e conversas, imprimiam grande humanidade ao local 

Por mais que lhe agradasse o lugar, seu pai jamais poderia sonhar que estava num lugar popular como aquele. Por isso, ia em algumas daquelas vezes que dizia ficar estudando na escola. 

Acabara de sair de uma loja de CD’s,com muita coisa nova para ouvir, quando ali mesmo na porta da lojinha, a sacola estourou e voaram CD’s para todos os lados. 

_Ai, caralho. _ xingou com raiva, inclinando-se para começar a juntar suas compras. 

_ Não devia xingar esses nomes feios, moça, é delicada demais para isso. Há muitos brasileiros aqui que compreenderiam e se assustariam em vê-los na boca de uma moça tão bonita. 

Ainda agachada, parou de juntar CD’s e olhou para frente. Um garoto que parecia ter mais ou menos a sua idade, a estava ajudando a juntar as coisas. Ele notou o olhar sobre ele e levantou a cabeça para olhá-la também. 

_ Obrigada. _ foi a única coisa que Karla conseguiu dizer, porque ele estava sorrindo para ela e seu sorriso era lindo. Fez o seu coração esquentar-se no peito, porque como aquele lugar, era um sorriso aconchegante. Acolhedor, sincero. 

Como se ele estivesse feliz em poder ajudá-la, como se se importasse. Era uma sensação boa, e fez com que ela quisesse parar o momento. Mas o mundo não parou, ele não para nunca; e o dono da loja chegou à porta pedindo que eles juntassem tudo logo porque estava impedindo a passagem de seus clientes, fazendo com que aqueles longos segundos nos quais eles se encaravam e ele a sorria, tivesse que acabar. 

_ Bom momento para xingar um palavrão em português que ninguém entenderia, não é? 

Os dois riram, juntando as coisas rapidamente. 

_ Martin. Prazer em conhecê-la, senhorita da boca suja. 

Ela riu. 

_ Não é justo, não imaginava que teria algum brasileiro por perto pra entender, ok? Meu nome é Karla. 

Resolveram tomar um café juntos. Em circunstâncias anteriores não lancharia com um estranho, mas aquele estranho lhe era estranhamente familiar. Como se um brasileiro na imensidão da frieza canadense, fosse como estar um pouco em casa. 

E o assunto fluiu suavemente, despretensioso e alegre, como se eles se conhecessem há alguns anos, como velhos amigos que se reencontraram. O café pedido esfriou, a calda do bolo secou, pois o assunto não queria parar, estava agradável demais. 

Mas o que fez o coração de Karla desconcertar no peito enquanto conversavam, foi uma simples frase de Martin. Ela estava falando muito, contando sobre sua vida no Brasil, enquanto ele a olhava, muito atento. Ficando constrangida sob tão intenso olhar, perguntou: 

_ O que foi? 

Ele pareceu despertar de um transe, ao ouvir esta frase. Apoiou os cotovelos na mesa, cruzou as mãos, apoiou o rosto sobre. Falou, analiticamente. 

_ Nada em especial. Estou só pensando, como olhos tão lindos podem parecer ao mesmo tempo tão tristes. 

Era tudo em especial. Quase poderia afirmar que era tudo que desejava ouvir, precisava ouvir. Aí, ela sentiu alguma coisa, forte e boa. Um coração disparado, porém não por desespero. Por algo bom. Ainda difícil de definir, mas inegavelmente bom. 

Karla foi para casa sorrindo aquele dia, degustando cada frase do assunto. E mesmo estando tarde e frio, foi até o jardim contar tudo para os bonecos. Seus amigos não poderiam esperar para ouvir aquela novidade, mesmo que aquilo a trouxesse uma pneumonia. Só entrou porque a empregada Sandra a gritou, estressadíssima. Ouviu aborrecimento dela e também dos pais, porém sem dar a mínima para isso. Havia combinado de se encontrar com Martin no dia seguinte. 

Naquele dia, ela lhe passou o telefone. Começaram a se encontrar todos os dias no mesmo mercado e à medida que iam se encontrando, Montreal ia se tornando cada vez mais linda. O branco da neve já não era tão incômodo, era quase bonito. As comidas dos restaurantes refinados nos fins de semana com a mãe pareciam mais saborosas e havia desejo de se comprar roupas, para ficar bonita para Martin. 

Karla foi até os bonecos e só soube sorrir o dia que Martin a beijou. Tentou explicar, colocar em palavras toda aquela euforia, o desespero bom. Mas parecia impossível. Essa foi uma das últimas vezes que foi até eles, afinal de contas não havia mais sentido naquilo. Contava tudo para ele agora. 

Mas não soube contar sobre ele a ninguém, como se o fato de alguém saber pudesse tomar um pouquinho daquela felicidade que ela desejava por completo. 

Quando Clarisse ligava, assim como antes não havia percebido o tom choroso, não percebia aquela voz de quem falava sorrindo. Porque era assim que ela andava agora, sorrindo. Saía nas ruas apinhadas de canadenses empacotados em milhares de roupas de frio e correndo contra o tempo, sorrindo, e rindo de todas aquelas caras fechadas. Porque o Canadá era lindo, a vida era linda e o mundo era perfeito. Nunca fora muito religiosa, mas agora agradecia a Deus pela sua imensa perfeição: permitira aquele momento ruim de mudança para o Canadá, aquela tristeza generalizada, para que pudesse encontra-lo. 

Até que um dia, Martin não foi ao mercado depois da aula. Sem mensagens, sem ligações. 

Então ela ligou. Celular fora de área. 

E aquela noite foi a mais agoniante de sua existência. Não conseguiu dormir, apenas cochilar quando já estava exausta. Neste breve cochilo, teve sonhos confusos envolvendo Martin. 

Na escola, não ouvira nem uma só palavra do que os professores diziam. Estava tão estranha, que muitas pessoas além de Beck notaram sua estranheza. Obviamente, não se explicou a ninguém. Em circunstâncias normais já não o faria, vivendo aquela agonia, muito menos. 

Foi para o mercado com aquela esperança quase doentia. Ficou três horas sentada, quase sem piscar, o celular suado em sua mão de tanto ligar para ele. Fora de área. 

Pesadelos à noite, choro entalado, olhos vidrados e cheios de olheiras. Esperança doentia por uma semana toda vez que ia ao mercado. 

E finalmente a aceitação, que não poderia ser bem uma aceitação, pois, como se aceita um grande amor desaparecido no mundo? Um amor sem respostas, uma cura que virara doença? Um abandono injustificado? Além do vazio, as dúvidas eram enlouquecedoras. Ele voltara para o Brasil e simplesmente esquecera sua existência? E se tivesse morrido? Sido sequestrado? Por que essa sensação de ele saber muito sobre ela, e ela quase nada sobre ele? Por que ela não conseguia chorar? Não havia lágrimas. 

Até o dia que resolveu ir até os bonecos de neve novamente, porque não aguentava aquela sensação de coisas entaladas em si, e contar para alguém agora soava ridículo e inviável. Os bonecos eram só montes de neve agora, depois de tanto tempo sem refazê-los. Sumiram boquinhas, olhinhos, corpinho... Só neve toscamente acumulada. Pensou em refazê-los, mas mudou de ideia. Eles se pareciam com ela, agora. Sem expressão, depois de tanto decepção, sofrimento, angústia. 

Ela conseguiu chorar muito, quase sentindo a água de o corpo esgotar em meio a tanto choro. Mas ela deixou arder bastante ali, enquanto observava seus bonecos soterrados por tanta neve. Aquela seria a última vez que se daria ao luxo de ficar sentindo, pensando, remoendo. 

Depois dali, Karla se tornou um boneco de neve.

Só uma pequena dose de indignação e preocupação.


E de repente instaurou-se entre nós um comodismo até simpático, enquanto fingimos ler, aprender, entender. O mundo dos completamente cegos e dos ignorantemente esclarecidos, que ao invés de tentar fazer algo estão sempre apontando para os primeiros com a acidez de suas ironias, desfrutando a estupidez de sua “superioridade”.

Se no Iluminismo a filosofia de um sonhado novo tempo era popularizada para ser divulgada em folhetos de forma a lançar as luzes em todas as trevas, hoje, anseia-se o saber para ser “O Ser”. Aquele que detêm o conhecimento, que em seu individualismo conseguirá tornar-se alguém. Desfrutando principalmente da suprema parte desta história de saber, é claro: criticar, julgar, apontar. Sem mover uma palha sequer contra tudo aquilo que seu discurso argumentativo bem elaborado e inflamado critica.
Entramos assim na era da cegueira, de intelectuais acomodados, de mentes limitadas por acadêmicas razões absolutas. Vidas com objetivos vagos, relativos, mal fundamentados. Impostos. Apontadores e apontados. Criticadores e criticados.

Mortos-vivos. Sociedade que de tão movimentada, tornou-se estática. 

No sense.



Não adianta, algumas coisas simplesmente não valem a pena serem sentidas. Algumas raivas são completamente vãs: servem para ficar fervendo nosso sangue e nos fazendo repetir o discurso exagerado e inflamado da cólera, milhares de vezes para milhares de pessoas. Fazem aquela coisa indefinível que não nos deixa dormir a noite aparecer. Aquela coisa que vem com os pensamentos “eu não devia ter dito aquilo”, “eu deveria ter dito aquilo”, “nunca devíamos ter nos falado”; “eu deveria ter feito aquilo”, “nunca devia ter acontecido nada”. 

 Essa raiva dos outros potencializada por raiva de nós mesmos é completamente inútil, e se torna enfim, uma tristeza endurecida, inconsolável. Um machucadinho feio, que acaba por parar de doer, mas que toda vez que você olha, lembra que a feia marca em sua pele foi causada por determinada situação.Nessas horas é necessário frieza. Veja bem, não adquira uma indiferença robótica, como se não se importasse com nada ou ninguém, só que acontece que ficar alimentando lembranças raivosas, magoadas e sofridas não trará nada de vantajoso jamais a ninguém. É melhor olhar como quem pensa:”tsc, fizeram m*rda comigo de novo” e deixar doer bem pouco, tirando daquilo somente a lição. Pense: somos só pessoas, e pessoas erram. Quantas vezes ficamos nos torturando diante de uma situação na qual a outra pessoa envolvida não está nem se dando ao trabalho de pensar naquilo?

 Eu sei, o nosso lado “humano-desumano” fica queimando em nós, bradando triunfante: “brigue, grite, vingue-se! Vai deixar por isso mesmo, otário?”. Ao corresponder a esse instinto que não é nem mesmo animal, gera-se então certa espécie de alívio, a plástica sensação de aquilo ter finalmente se resolvido porque ameniza nossa raiva e a dor.. Entretanto além de tornar-se o machucadinho (ou machucadão, dependendo da situação), gera a mesma raiva colérica, a mágoa indefinível e a amargura em quem você despejou estes sentimentos feios e ignorantes. Ação e reação que nunca acabam, eternas trocas de ofensas, gritarias, vingancinhas, picuinhas, sentimentozinhos, pessoinhas. 

É por isso que eu insisto: controle-se, repense, analise. Vale a pena? Esquecer, relevar nesta situação não seria melhor, afastar não seria melhor? Respirar algumas vezes e falar o mesmo que diria com gritos ou ironias(dependendo da sua personalidade) em tom calmo e sério não seria melhor? Pense nisso: sentimentos que só acarretam más consequências, não podem realmente valer a pena.