terça-feira, 29 de julho de 2014





Tem horas que eu só sei pensar "esse povo lê mesmo o que escrevo? Se lê, entende? Se lê, por que o faz?". Ainda vem, e diz que gosta, que escrevo bem, que adorou... e eu nessa, perplexa, mas gente, como pode, se tudo que ponho em linhas é porque fica girando dentro de mim até eu enjoar. Escrevo como quem vomita. Querer eu bem queria, ser lírica e literária.  A mestra fala em anjo esbelto (expressão bonita!), Jorge Amado diz que homem bom tem uma estrela no lugar do coração, a sagrada escritura tem frases que de tão lindas parecem carinho, "olhai os lírios do campo..." Ah, Senhor, tende compaixão de mim, se eu for capaz de pôr em palavras a belezura de um entardecer divinopolitano, será para louvar teu santo nome. Olhar essa rua às cinco da tarde e ouvir barulho de van é mesmo uma facada no peito. Era eu, ano passado. Descia a ladeira do Cefet e lá embaixo já aglomerava-se gente, duas, três vans. "Os exercícios de fixação são pra amanhã, Tati?", "É sim, sarinha". Estamos cansadas e cansados. Costuramos, fizemos desenho técnico, sentimos calor... vamos felizes demais pra casa. Nenhum dia eu me esqueci de pensar que o pôr-do-sol ali em cima era o mais lindo do mundo. Não canso de amar aquele povo. E no auge da minha alegria universitária, quero sentar com a Ana e discutir a vida no banco mais uma vez, ouvir o Lucas pedir doce de coco, reclamar com a Erilda das costuras que deram errado. É por isso que não sirvo para ser grande mestra da literatura brasileira, tudo que falo é porque me incomoda por dentro. Agora por exemplo, pesa no peito esse tempo de ensino médio. Sonho com alguns, falo em outros, risadas ressoam na minha mente. Quem não tem capacidade não devia ter vontade, é o que penso, e sigo com minhas linhas tortas. Não me deixam ser esquisita de jeito nenhum, estou sempre tendo que dar explicações. Esses dias meu tio do andar de baixo bateu perguntando o que tinha acontecido comigo porque eu estava ouvindo sertanejo. Rindo é verdade, mas confuso sobre mim. Interrogações se formam ao redor dos batons vermelhos e as blusas de santo, as folhas de alface e o brigadeiro, o tamanho da saia e o tamanho da alma. Queria ver na minha certidão, o tópico que me obrigava a fazer sentido na vida. Não me deixam ser freira, minha mãe não quer que eu beba, não consigo brincar com o sentimento dos outros nem um pouquinho. Aí é o meu que fica todo zoado, brincando de montanha russa. Queria mesmo era chamar Lola, um nome que sobe e desce na boca, e me divertir com a paixão dos outros, que podia ser pesada, mas eu veria de uma forma leve. Aí eu gingaria meus quadris sem culpa, minhas unhas não seriam fracas lascando todo o tempo, se manteriam em tons escuros. Vi a Adélia no centro hoje. O tempo ficou suspenso. A blusa dela era cinza, o dia também era, cinza é a cor do sangue do meu corpo parando de emoção. Fiz nada, a deixei ir. Primeiro pensei que Deus lançou-a em meus braços e eu deixei cair, aquela que me fez nascer. Depois vi que era certo, assim como tudo na minha vida. Sempre acerto quando erro. Aiai, minha virgem do Carmo, protege minha casinha em São João, ilumina o vestibular da Bárbara e da preta, eu uso com gosto o escapulário que achei no chão e foi a senhora que me deu. Pego copos, arranho pescoços, canto "vai brincando pro cê ver", mas meus santos estão todos em seus lugares. Teresa, Chiara, Francisco, não saem dos pedestais da minha vida, nem a arma de fogo. E olha que esses fogos torturam. Ah, eu queria mesmo era o Cefet, para o qual se ía comer em uns dias peixes e em outros carne moída, e as aulas não traziam o peso culposo de quem se está decidindo a vida. 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Fá!

Hoje, tudo o que eu queria era um texto de linhas bonitas. Olhei a tela, ouvi músicas, fritei batatas, pensei em tanta gente... A sensação indefinida que tenho tido, e que oscila indo e vindo em intervalos desconexos, voltou. É uma vontade. Ela vibra, como se formasse um grito dentro de mim e não sai. Não sei bem do que é: tenho vontade de pisar em grama e terra, tomar chuva, pegar filhotes, comer cerejas, sentir alguém respirar. Que alguma mão segure na minha e me obrigue a ficar. Piso Divinópolis como quem pisa o céu. Há um lugarzinho no bairro: quando ando minha rua, quase seis da tarde, o céu desdobra-se em várias cores. O cheiro de janta vem de uma casa, um cachorro late, piso algumas goiabas caídas do pé, o cheiro delas confunde-se com o de janta e de fim de tarde. Tudo isso me desperta uma ânsia enorme. Quero gente, quero Deus, quero colo, quero descobrir o grande motivo. O que mata é a vontade: seja da carne, seja da alma. Ela não passa, é uma fome faminta. Algo nasce dentro de mim, e demora a tomar forma. Sinto dores de parto, vontade de gritar, de rezar, de beijar, de ser, de estar. Eu sei que vou explodir. Temo por quem estará próximo. 

terça-feira, 22 de julho de 2014

Essa doçura que é a palavra


Algumas palavras
me envolvem
até a alma.
Erva-cidreira
traz na pronúncia
tanto verdume doce
que fico terna
e quero ouvir minha vó falar
dos seus brincos de rosas azuis.
Ouço
e bebo o chá
como quem ingere
Deus em gotas.

domingo, 13 de julho de 2014

domingo, 6 de julho de 2014

Re

sou feliz
porque olho pro relevo no chão do ônibus
e no formato
enxergo florzinhas.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Preta

Todo sopro que apaga uma chama reascende o que for pra ficar.

Coisas
que categoricamente me remetem à você:
um céu doendo de azul
libélulas
jake, o cão.
Cachos
um Sacrário
do mais lindo de todos
com uvas e um cálice pintado.
um barco que vai
um vento que vem
bate nas árvores daquela escola
enquanto discutimos profundidades
no banquinho
e eu lembro,
da música do bem-te-vi.
"Eu quero fazer uma coisa, Ana, uma coisa que é
maior que eu!"
"eu também, eu também! Sinto a mesma coisa."
Sentir a mesma coisa é refrescar a minha alma
abafada.
você vem com essa sua mão cheia de unhas longas,
e arranha a minha alma,
a incomoda,
e ela
não acomoda.

Mais coisas:
laranjas
obviamente,
melancias,
filtros do sonho.
Saias longas
penas
pedras
oráculos de maio
e cacos para um vitral.
dudu, o cão.

sei não. é difícil demais te dizer as coisas.
só sei
que dádiva maior é encontrar por essa vida
um ser humano bonito.

então,
presente maior cê já me deu
tem como te presentear mais não.