A existência é um fardo.
Ninguém nos pergunta se queremos habitar por nove meses um lugar umidamente escuro e fechado, e antes mesmo de possuirmos consciência do que somos, já deram-nos um nome, já agregaram-nos diversos valores e construíram sobre nós uma infinidade de laços nos quais não tivemos participação.
A partir da abertura dos olhos, do choro, da respiração, estamos suscetíveis a todas variáveis do ambiente, e todos os seus elementos entranham-se em nós, seja consciente ou inconscientemente. Ensinam-nos coisas como se rotulassem objetos necessitados de identificação: assim se come, assim se anda, assim se veste. Sorria, respeite, não seja agressivo. Corresponda a sorrisos e a sentimentos. Temos o hábito de gostar de quem gosta de nós, de respeitar os mais velhos, de abaixar as tampas dos sanitários depois de utilizá-los. Concedem-nos um amplo leque de instruções que não encerram em si um fim específico, uma significância que justifique que tenham nos trazido à existência.
Nada justifica a existência, não nos perguntam se queremos habitá-la porque essa possibilidade não existe. Sua justificativa só existe a partir da sua não-justificativa: passamos a vida inteira tentando torná-la plausível, objetivando por suspirar, ao final: "Nada foi em vão, minha vida valeu apena".
Na desesperada corrida pelos motivos, deparamo-nos com o kitsch. O termo é alemão, é significa o valor que atribuímos a algo, que não é necessariamente o conteúdo verídico daquilo. Usualmente é empregado nos estudos de estética para designar uma categoria de objetos vulgares, baratos, de mau gosto, sentimentais, que copiam referências da cultura erudita sem critério e sem atingirem o nível de qualidade de seus modelos, e que se destinam ao consumo de massa. Embora o kitsch apresente a si mesmo como "profundo", "artístico", "importante" ou "emocionante", raramente estes qualificativos são adquiridos por características intrínsecas ao objeto, antes derivam de associações externas que seu público estabelece. Em síntese, os kitsch's são os ideais supérfluos que aderimos para justificar nossa complexa existência. Há o kitsch comunista, católico, protestante, feminista, judeu, entre milhares de outros.
Geralmente os kitsch's preenchem lacunas sentimentais, vingam-se de situações, acobertam traumas, proporcionam conforto e equilíbrio. Entretanto são falsos, pois carregam em si a superficialidade dos conceitos que defendem, muito mais seu simbolismo e aparência do que a essência redentora.
A essência.
Os kitsch's de uma forma geral, anseiam conduzir à esta essência. Entretanto, nos perdemos entre seus preceitos. A essência é complexa demais e intraduzível por qualquer tipo de segmento, por mais que estes não poupem esforços para construir uma estrada até ela. Ela encontra-se dentro de cada ser, e apenas uma sensibilidade apuradíssima poderá percebê-la, a mesma que percebe ondulações sobre as águas, timbres dos pássaros e das risadas, e o movimento descrito por um folha ao cair.
A justificativa existe e é real. Dispensa qualquer outra divagação a respeito da existência, a torna sustentável, quase leve.
Não deve ser questionada, pois somente quem a compreende, sente em seus efeitos a veracidade que contém em si.
Existimos para os outros. Os outros, existem para nós.