quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Amável libélula.

"Nothing you can sing that can't be sung."


Eu sou daquelas pessoas que vai andando pela rua enquanto deixa o pensamento passear. Confesso que às vezes é meio complicado, porque é tudo tão controverso... começo a pensar algo de um ponto de vista até me perder em minha própria essência de pensa-lo, vendo que de certa forma tudo pode ser exatamente o contrário daquilo que minhas ideias me fazem acreditar. É a análise sábia e conclusiva, aquele estudo quase científico das coisas que às vezes me aparecem. Logo em seguida me vejo com pensamentos de poeta, que tudo é nuvem fácil de ser dissipada, sem firmeza ou certeza alguma. Nem em morte posso crer, se há vivo que já está morto, se meu Senhor ressuscitou para pela morte dar-nos vida. 

Por exemplo, eu não sei se creio ou descreio no mundo. Esses dias, vi uma moça destratar cruelmente uma trocadora de ônibus, que educadamente pediu que ela se apressasse em descer se o fosse fazer, pois o ônibus tinha horário. Machucou. Eu sei que doeu na trocadora, porque é amargo demais trabalhar o dia inteiro, ganhar pouco, para ouvir moça desaforada (e sem razão) te maltratar. No supermercado, não há brilho nos olhos dos caixas. Por trabalhar tanto, por ganhar tão pouco, por ter quer viver aquilo e ainda sofrer desaforos como a trocadora do ônibus. Eu vejo cara amando corpo de garota e não a garota em si.  Mas vejo garota amando roupa, cabelo e maquiagem, se coisificando desta forma e portanto não podendo reclamar da coisificação que o cara faz dela. Completamente obcecados com a aparência. Quando resolvo sair, não sei se rio ou choro: todos os carinhas com os mesmos cortes de cabelo, usando as mesmas roupas. E as meninas então? Se a tendência é saia e blusa de cetim, todas de saia e blusa de cetim, se é tênis de salto todas de tênis de salto. Coisas que às vezes consideravam ridículas, mas por todos estarem usando, acabam usando também. Falta de personalidade explícita. Entristece, já que a essência do ser humano é saber pensar, decidir por si próprio, ir se construindo pela vida e desta forma se diferenciarem. Vida: dinheiro, festa, farra, instinto. Amor? Egocentrismo, necessidade de ser orbitado por alguém, de se sentir importante. Amante de música como sou, vejo as pessoas ouvirem essas músicas de iguais ritmos, iguais letras sem conteúdo. Dói saber que há tanta música maravilhosa por aí pronta para ser achada, porém o lixo simples de cinco frases de letra é mais fácil de ser digerido, desnecessário de se procurar. 

Ouvir frases do tipo “odeio política”, “voto em quem me fizer algo”, “odeio o Brasil, e a cultura brasileira”, e até mesmo os “eu te amo” ultimamente, vai dando aquela preguiça de viver, de enxergar certas coisas. Você para e pensa: não tem jeito, cara. Não tem. 

Mas sei lá. O pôr-do-sol lá da minha escola, depois de um dia cansativo de aulas é absurdamente bonito. Hoje eu voltava da missa umas oito da manhã e o centro da cidade estava estranhamente belo: silencioso, pessoas passando com uma seriedade calma com seus copos de café com plástico por cima, indo trabalhar. As fachadas de algumas lojas são realmente bonitas, sabe. Por exemplo, é quase mágico olhar os lustres maravilhosos numa loja que os vende chamada Lampadário. Além de lembrar-me a minha vontade infantil de querer me pendurar em um lustre e ficar balançando. Criança é tudo, não é verdade? Quando pego meu priminho e afilhado no colo, ele deita a cabeça em meu ombro com toda a serenidade que só as crianças sabem ter. Às vezes acordo com uma sede de mudar o mundo, e se eu sorrir e falar “bom dia” para moça do caixa do supermercado ou do ônibus, já o fiz de alguma forma. Se foi pouco, tenho o amanhã para fazer algo mais. Talvez seja um pouco mais escrever algo aqui que de alguma forma aqueça o seu coração, talvez seja um pouco mais abraçar os amigos. O talvez é graça das coisas, sempre pode ser um sim ou um não. Pode ser um sim hoje e um não amanhã, ou vice-e-versa. 

Sei não. Toda revolução ou ideologia foi distorcida de alguma forma, virou em algum momento o interesse do mais forte. Ainda sim, estamos aí (alguns de nós), maquinando ideias, pensando em fazer algo, apesar de às vezes ficar tudo só no “E se”. Há por aí, corações que vibram com as notas de uma boa música, boa música ainda é feita! Não importa quantos Catra, Gustavo Lima, Michel Teló, sempre haverá Tiê, O Teatro Mágico, Los Hermanos. As coisas vivem perdendo a essência, sendo vistas de forma superficial. Às vezes até parece que não se pode confiar em ninguém, que as pessoas não conseguem compreender as coisas por mais que sejam explicadas, parecem não sentir nada. Ainda sim, de repente alguém olha nos meus olhos e eu vibro: naquele olhar tinha sinceridade, ele dizia: sim, eu sinto. Graças a Deus, vivo cruzando com pessoas desses olhares. 

Cheguei em casa depois ter ido à missa e ter passado no banco. Aliás, o segurança foi tão simpático comigo, que acabou por desequilibrar a balança do “creio, descreio”, para o lado do “creio”. Fiz café. Às vezes acho que gosto mais do café pelo cheiro de conforto que ele tem do que pelo seu gosto, assim como às vezes gosto mais dos olhos de quem me fala do que daquilo que a pessoa me fala.

Ao chegar em casa, havia uma libélula virada para cima no chão da cozinha. Ela estava agoniando e esperneando sem conseguir se virar para voar. Parecia estar machucada, também. Virei-a para cima, fui fazendo o café tomando o maior cuidado para não pisá-la, enquanto ela deliberava por voltar a voar agora ou voar mais tarde. 

Eu sei, esse texto pode soar imensamente ingênuo e infantil, coisa de quem vive nas nuvens. Mas talvez seja isso que nos falte, a ingenuidade, a simplicidade. Porém a ideia “o mundo é dos espertos” nos enche de “esperteza” irônica, estressante, maldosa, desconfiada, insensível. 

Eu realmente creio que a libélula merecia a vida, até abri a janela para ela voar. Não sei seu destino, só sei que quando olhei para o chão ela não estava mais lá. Só sei que acima de toda confusão, quero ardorosamente viver.

domingo, 12 de agosto de 2012

Tons de cinza.



Através da porta de vidro entreaberta ele a via recolher as roupas do varal revolto pelo vento impetuoso,  que também fazia entrar-lhe pelas narinas o cheiro confortante da chuva próxima. Conforto. Adorava o cheiro da almofada com a qual estava abraçado, era a que ela costumava se deitar e cheirava doce e suave como seus cabelos. Cabelos com os quais ela brigava agora, com a cesta de roupas sob um braço. Com a mão que recolhia as roupas, tinha também que limpar o rosto dos cabelos que o vento insistia em jogar em seu rosto de anjo. Anjo caído, como ele costumava lhe dizer. Porque ela tinha no rosto aqueles traços serenos e os olhos grandes e brilhantes como as divindades angelicais, mas também trazia sempre aquela expressão de consciência dos sofrimentos deste mundo, os quais os aéreos e perolados seres do Senhor não possuíam. O cheiro do refogado de frango ainda na panela também serpentava, mesmo que agora timidamente, pelo ar. Os pratos ainda estavam sujos, e ele estava apenas descansando um pouco para ir limpar. Aquele refogado estava incrível. O quanto ele estava se fartando desde que ela havia se mudado para lá, era inimaginável. Vivia como um rei para quem anteriormente sobrevivia a base de congelados, café e omelete. Agora tinha uma fruteira cheia de cores, verduras frescas diariamente, o famoso e já esquecido por ele almoço de domingo e aquela voz de sino cantarolando diariamente pela casa. Ligou o rádio na modesta prateleira de latas na cozinha para se distrair enquanto lavava os pratos. 

Dias soltos no quintal, vão me dando a direção. 
Se você perguntar o que eu fiz, se você quer saber o que eu quis.

Como alguém podia ter aquela serenidade, aquela alma dilatada que sempre cabia mais amor e também mais dor, olhos vividamente brilhantes e belamente tristes ao mesmo tempo, estar tão envolta em mistério e revelação paralelamente, ele já cansara de se perguntar. Ser toda serviço, ouvidos, divindade. Vida pulsante e desesperadora. Se acreditasse em bruxarias, afirmaria sem dúvidas que havia lhe lançado um feitiço mais que certeiro. Lembrava e degustava com gosto todas as lembranças, de forma especial as vezes que observando o luar do apartamento da casa dos pais dela, ficavam contemplando a lua em silêncio, descendo às profundezas do universo e daquele amor em tons pastel. Cores coloridas, porém calmas. Tudo que sentiam era nobre e grande demais para ser dito, sentido por inteiro de alguma forma. Traduzia-se no silêncio dos olhos que mergulhavam profundamente uns nos outros, devorando a alma alheia, refugiando-se no grande bombeador de sangue e sentimentos. A sensação que ele tinha de se ser em outro corpo que era o dela, não era suficientemente explicada de forma alguma. Como ele recordava o café ao som dos Beatles, as ideologias da qual gostavam de debater as falhas para quando fossem salvar o mundo, corrigirem erros que levaram ao fracasso. Despertava nele um profundo respeito e grande admiração, quando ao contar-lhe qualquer atrocidade a respeito de nazismo ou afins, via os olhos da amada marejarem de lágrimas, a confusão de uma alma boa demais para compreender a maldade do mundo. Quando ficavam juntos, deitava sobre seu peito só pra ouvir aquele coração palpitar aquela maravilhosa existência permitida por Deus. 

“Cara, o quê essa guria te fez, me conta?” ouvia dos amigos, às vezes em tons de pilhéria, às vezes incompreensão. Ele sorria sem graça por não ter uma explicação. Diria se achasse que valia a pena: “Entra neste peito aqui e sente. Sentiu? Pois é, monstruosamente grande, né.” 

“Um dia vamos sorrir, uma lágrima comovida por Deus permitir a nós essa felicidade tão completa e simples vai rolar. No outro, os olhos vão se encontrar sem brilho e na boca haverá o gosto da amarga confusão, porque não saberemos explicar como ou o porquê de ter simplesmente acabado.” Ele lera em seu caderno de versos, era o único que podia abri-lo e adentrar no universo dos pensamentos dela. E por mais que tivessem aquele trato de ele nunca pergunta-la sobre nada que escrevia, teve que perguntar desta vez. 

“É sobre nós?” 

“É.” Respondeu-o  olhando daquele jeito que seus olhos diziam mais que as palavras. 

“Discordo” ele dissera com cuidado, pois quando se falava dos seus escritos era necessária toda cautela. “o que é verdadeiro nunca acaba” e entrelaçou seus dedos nos dela. 

“Toda a perfeição acaba, porque nada deste mundo pode ser perfeito. Só Deus é.” 

Esse episódio preencheu de dor o coração dele. Mas o sol intenso que emanava daquela vida partilhada com ela, acabou por fazê-lo esquecer daquilo por um tempo. Agora, acabando de enxaguar a espuma dos pratos, se lembrou do acontecimento com a amargura citada nos escritos dela. Estava acontecendo. 

O ódio e a repulsa por si penetraram sua alma confusa fazendo-o provar um pouco do inferno, ao ver que toda a devoção, todo o amor incabível, toda aquela magia entre os dois não o fazia feliz mais. Impossível entender: era o mesmo encanto sentido toda vez que ela se aproximava. Mas era como se estivesse cansado, acomodado numa felicidade clandestina demais para um mundo tão ruim, com tantas falhas para corrigir. 

Voz, nuvens, cheiro de conforto e comida, estabilidade, sorrisos fáceis, pés descalços, preguiça de sofá. Não dava mais para se viver flutuando, acabar com todo o sofrimento assim. Não se pode neste mundo, envolve-la nos braços para sempre e agir como se aquela vida fosse o centro de tudo! 

A verdade é que a frase “só seu amor, e tê-la aqui me bastam” que ele tanto proferira convicto a ela diversas vezes havia se tornado uma mentira. Não bastava mais. Um incômodo no peito lhe crescia e a luz de sua menina parecia agora ofusca-lo, mesmo ele ainda amando se aproximar daquela luz. Ela sabia desde sempre: toda vez que ele dizia-lhe isso, ela murmurava um risinho irônico e amargo. Amava-o, mas sabia que era um imbecil, que acabaria por decepcioná-la em algum momento, e que não adiantaria nem um amor que de tão grande era inexplicável para salvá-los da droga que ele era, da droga que sentia-se agora. 

Ele amava, ele admirava, ele se encantava. Mas ele não queria mais. 

Acabou de lavar as coisas, lavou e enxugou aos mãos. A música do rádio ressoava, com um hino de consolo e desconsolo, explicação inexplicável. 

Ah, o tempo passa e eu penso demais
Pra dizer ao vento que me satisfaz.


Vento bom, os dois. Bom demais, levava as nuvens embora e deixava o sol brilhar. Mas o calor que vinha era bom até certo ponto, depois tornava-se insuportável e precisava de chuva. 

Ela abraçou-o por trás, o cesto com as roupas limpas jogado sobre o sofá. Virou e apertou-a em seus braços como se quisesse mudar de ideia com a intensidade daquele contato. 

Não mudou. Suspirou agonizado. Como explicar que aquela felicidade estava incomodando, que a amava e sabia que lhe era perfeita e certa , mas que precisava deixa-la? Talvez fosse fácil se libertar, talvez houvesse um depois que trouxesse conforto a ideia: podiam chorar copiosamente, necessitar do calor do outro e com um reencontro desesperado sentirem-se suficientes um ao outro novamente. Talvez ele a magoasse e reconquistá-la fosse uma tarefa ardorosa e despertadora da sensação de estar mais uma vez completo pela menina da sua vida. Era necessário o fim infindável. 

Ela entendeu o suspiro, ele sabia. A percepção intuitiva dela era insuperável, um piscar de olhos bastava para a sua menina. 

“Tá tudo bem. A vida é assim mesmo.” 

É. Só Deus era perfeito e infindável. 

E eu sigo
E eu minto 
E eu sinto


(OB: Trechos e inspiração da música Hotel - Sabonetes.)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sei que é claro, mas preciso falar que estou vendo.


Redispor a mesa e a disposição.

Antigamente, nossos jovens saíam às ruas e lutavam. Clamavam liberdade e igualdade, atentos a mãe-terra, pediam pela natureza. A voz de uma ditadura foi sobreposta enfim por uma juventude brava e guerreira. Queimavam sutiãs, organizavam protestos, punham flores em armas prontas para atirar. Defendiam à sua maneira; o seu, o do outro, o mundo. Houve em algum momento nessa história, um mundo de idealistas, palpites e sugestões, artes de mensagem, não só de entretenimento. Saíam dos peitos, uma raça retirada da ânsia dos sonhos, uma força grande e transformadora, um desejo de informar e transformar.

Hoje, você vai para escola forçadamente, estuda só para passar de ano, ouve o que estiver na moda, assiste realities-show completamente vazios. Todo o sentido da sua vida se define em esperar aquela festa no fim de semana. Você vai lá ver um cantor que não consegue compor uma música de mais de cinco linhas, beber, beijar quem nunca viu na vida, e depois ficar comentando o quanto aquela festa “estava boa”. E vai trabalhar e se for mais ambicioso estudar, para ter mais daqueles divertimentos ou alguns divertimentos mais caros e sofisticados.

E apesar de não existirem lutas, as derrotas estão é sobrando. Derrotas que você acredita serem vitórias. Desta forma, pelo mito da tecnologia, da ciência, da grande mídia, da inteligência, há quem pense que nosso mundo está evoluindo.

O que eu julgo impossível se vejo grande parte da população regredindo. Estagnando. E o que é pior: os que conseguem enxergar a realidade e entender a situação estão simplesmente se acomodando.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Ê, vó.



Qualquer forma de indignação, xingamento ou desconsolo é inútil, meus caros. É da essência do idoso ser teimoso e birrento, ter o desejo de impor suas vontades. E raciocinem comigo: nada mais justo que isso! Alguém já tão vivido, tão sofrido (pois bem sabemos as infindáveis dificuldades desta vida), que já deve ter levado sobre sua coluna cansada inúmeros desaforos,  deve possuir o direito de erguer a voz contra aquilo que o insatisfaz nesse nem um pouco pleno fim da vida! 

É por isso que mesmo vendo minha mãe espumar de raiva às vezes (contra sua sogra ou a própria mãe), impaciente com as coisinhas da idade de ambas, a única coisa que sei fazer é rir com tantos problemas e reclamações por situações criadas nas cabeças brancas das avós, defeitos onde nós não enxergamos por eles não existirem. É a perna, o xampu que causa irritabilidade aos olhos, a dor de cabeça, a coluna, a dentadura, o filho desaforado... uma canseira sem fim, desmerecedora da dor de cabeça dos familiares aflitos.

Esses dias, ao chegar à casa de minha avó maternal, eu e minha mãe podemos presenciar uma das reinações de dona Nair. Em frente sua casa há um pequeno morro de terra, no qual minha mãe na maioria das vezes atravessa o carro para lá, de forma a deixa-lo bem na porta da casa. Neste dia isso não aconteceu. Estacionou o carro do outro lado da rua e ao chegar ao pé do morro, lá estava a minha avó. Fazendo o quê? Foi exatamente o que minha mãe perguntou. 

_ Uai Sueli, a mulher que mudou pra cá é desaforada demais, _ agora pude perceber que ela quebrava grandes pedaços de isopor para enfiá-los num saco _ pegou esses trem que vem quando a gente compra televisão e jogou tudo aqui na porta de qualquer jeito. 

Minha mãe estava de braços cruzados, enquanto minha vó ia quebrando enfurecidamente o isopor para que coubesse na sacola. Falou com uma voz de quem acha um pouco de graça. 

_ Mas a senhora é boba demais mãe, vai ficar catando o lixo da mulher? 

_ Não é ser boba não, _ neste momento começou a exaltar-se, muito nervosa com aquela simples situação. _ deixa esses isopor jogado aqui, vem um cachorro e rasga esse trem de tudo em quanto é jeito, faz uma desordem, uma sujeira aqui! 

_ Mas é ela quem tinha que fazer isso, né não? 

_ Pois é Sueli, só que num faz. A CACHORRA, SAFADA, A SEM VERGONHA, NUM FAZ NÃO. A VAGABUNDA ACHA QUE OS OUTRO É OBRIGADO A CATAR O LIXO DELA, UAI. AÍ, TEM QUE CATAR!

Estava tentando amarrar o saco de lixo em postura de verdadeira batalhadora, como um exército encerrando uma grande luta. Porque a vida era difícil! Vivia-se, criava-se filhos e até mesmo netos, trabalhava-se cansativamente, para vir uma nova vizinha e encher-lhe o morrinho em frente a casa de quilos de isopores mortais! Cadê os revolucionários para atinarem contra este ataque aos direitos humanos, ao respeito ao próximo? Aquilo era motivo de desencadear uma terceira Grande Guerra! 

Minha mãe pareceu querer perder o tom risonho, entendendo a seriedade da situação. Foi minha vez de divertir-me, ao ver justo ela, que era tão nervosa (do tipo de mãe que estressa se você não coloca água no filtro), falar em tom contido, respeitoso e preocupado: 

_ Ô mãe, pelo amor de Deus, a senhora num pode ficar gritando ofensas para vizinha desse jeito no meio da rua, não. Isso dá processo, dá até cadeia! 

_ Aaaah Sueli, tem dó! Cê acha que alguém vai querer me prender por um motivo desses?! Uma velha de mais de 70 anos! Eu num vô presa, não. 

É, meus caros. Consolem-se. É assim que funciona, sendo necessária grande paciência para aguentar, pois eles aguentaram segurar as pontas amargas da vida por bastante tempo! Cuide-se, vizinha. Ela é velha. Apenas uma dica: se eu fosse você, não mexeria.