"Nothing you can sing that can't be sung."
Eu sou daquelas pessoas que vai andando pela rua enquanto deixa o pensamento passear. Confesso que às vezes é meio complicado, porque é tudo tão controverso... começo a pensar algo de um ponto de vista até me perder em minha própria essência de pensa-lo, vendo que de certa forma tudo pode ser exatamente o contrário daquilo que minhas ideias me fazem acreditar. É a análise sábia e conclusiva, aquele estudo quase científico das coisas que às vezes me aparecem. Logo em seguida me vejo com pensamentos de poeta, que tudo é nuvem fácil de ser dissipada, sem firmeza ou certeza alguma. Nem em morte posso crer, se há vivo que já está morto, se meu Senhor ressuscitou para pela morte dar-nos vida.
Por exemplo, eu não sei se creio ou descreio no mundo. Esses dias, vi uma moça destratar cruelmente uma trocadora de ônibus, que educadamente pediu que ela se apressasse em descer se o fosse fazer, pois o ônibus tinha horário. Machucou. Eu sei que doeu na trocadora, porque é amargo demais trabalhar o dia inteiro, ganhar pouco, para ouvir moça desaforada (e sem razão) te maltratar. No supermercado, não há brilho nos olhos dos caixas. Por trabalhar tanto, por ganhar tão pouco, por ter quer viver aquilo e ainda sofrer desaforos como a trocadora do ônibus. Eu vejo cara amando corpo de garota e não a garota em si. Mas vejo garota amando roupa, cabelo e maquiagem, se coisificando desta forma e portanto não podendo reclamar da coisificação que o cara faz dela. Completamente obcecados com a aparência. Quando resolvo sair, não sei se rio ou choro: todos os carinhas com os mesmos cortes de cabelo, usando as mesmas roupas. E as meninas então? Se a tendência é saia e blusa de cetim, todas de saia e blusa de cetim, se é tênis de salto todas de tênis de salto. Coisas que às vezes consideravam ridículas, mas por todos estarem usando, acabam usando também. Falta de personalidade explícita. Entristece, já que a essência do ser humano é saber pensar, decidir por si próprio, ir se construindo pela vida e desta forma se diferenciarem. Vida: dinheiro, festa, farra, instinto. Amor? Egocentrismo, necessidade de ser orbitado por alguém, de se sentir importante. Amante de música como sou, vejo as pessoas ouvirem essas músicas de iguais ritmos, iguais letras sem conteúdo. Dói saber que há tanta música maravilhosa por aí pronta para ser achada, porém o lixo simples de cinco frases de letra é mais fácil de ser digerido, desnecessário de se procurar.
Ouvir frases do tipo “odeio política”, “voto em quem me fizer algo”, “odeio o Brasil, e a cultura brasileira”, e até mesmo os “eu te amo” ultimamente, vai dando aquela preguiça de viver, de enxergar certas coisas. Você para e pensa: não tem jeito, cara. Não tem.
Mas sei lá. O pôr-do-sol lá da minha escola, depois de um dia cansativo de aulas é absurdamente bonito. Hoje eu voltava da missa umas oito da manhã e o centro da cidade estava estranhamente belo: silencioso, pessoas passando com uma seriedade calma com seus copos de café com plástico por cima, indo trabalhar. As fachadas de algumas lojas são realmente bonitas, sabe. Por exemplo, é quase mágico olhar os lustres maravilhosos numa loja que os vende chamada Lampadário. Além de lembrar-me a minha vontade infantil de querer me pendurar em um lustre e ficar balançando. Criança é tudo, não é verdade? Quando pego meu priminho e afilhado no colo, ele deita a cabeça em meu ombro com toda a serenidade que só as crianças sabem ter. Às vezes acordo com uma sede de mudar o mundo, e se eu sorrir e falar “bom dia” para moça do caixa do supermercado ou do ônibus, já o fiz de alguma forma. Se foi pouco, tenho o amanhã para fazer algo mais. Talvez seja um pouco mais escrever algo aqui que de alguma forma aqueça o seu coração, talvez seja um pouco mais abraçar os amigos. O talvez é graça das coisas, sempre pode ser um sim ou um não. Pode ser um sim hoje e um não amanhã, ou vice-e-versa.
Sei não. Toda revolução ou ideologia foi distorcida de alguma forma, virou em algum momento o interesse do mais forte. Ainda sim, estamos aí (alguns de nós), maquinando ideias, pensando em fazer algo, apesar de às vezes ficar tudo só no “E se”. Há por aí, corações que vibram com as notas de uma boa música, boa música ainda é feita! Não importa quantos Catra, Gustavo Lima, Michel Teló, sempre haverá Tiê, O Teatro Mágico, Los Hermanos. As coisas vivem perdendo a essência, sendo vistas de forma superficial. Às vezes até parece que não se pode confiar em ninguém, que as pessoas não conseguem compreender as coisas por mais que sejam explicadas, parecem não sentir nada. Ainda sim, de repente alguém olha nos meus olhos e eu vibro: naquele olhar tinha sinceridade, ele dizia: sim, eu sinto. Graças a Deus, vivo cruzando com pessoas desses olhares.
Cheguei em casa depois ter ido à missa e ter passado no banco. Aliás, o segurança foi tão simpático comigo, que acabou por desequilibrar a balança do “creio, descreio”, para o lado do “creio”. Fiz café. Às vezes acho que gosto mais do café pelo cheiro de conforto que ele tem do que pelo seu gosto, assim como às vezes gosto mais dos olhos de quem me fala do que daquilo que a pessoa me fala.
Ao chegar em casa, havia uma libélula virada para cima no chão da cozinha. Ela estava agoniando e esperneando sem conseguir se virar para voar. Parecia estar machucada, também. Virei-a para cima, fui fazendo o café tomando o maior cuidado para não pisá-la, enquanto ela deliberava por voltar a voar agora ou voar mais tarde.
Eu sei, esse texto pode soar imensamente ingênuo e infantil, coisa de quem vive nas nuvens. Mas talvez seja isso que nos falte, a ingenuidade, a simplicidade. Porém a ideia “o mundo é dos espertos” nos enche de “esperteza” irônica, estressante, maldosa, desconfiada, insensível.
Eu realmente creio que a libélula merecia a vida, até abri a janela para ela voar. Não sei seu destino, só sei que quando olhei para o chão ela não estava mais lá. Só sei que acima de toda confusão, quero ardorosamente viver.