terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O desamor


Amor é uma palavra maltrapilha. Já foi mastigada, regurgitada, reustaurada, invertida... mais usada em vão que o nome de Deus. Paixão é brega. Apaixonados. Nem a sonoridade é agradável: a palavra  sobe e desce na boca, som de x som de s, um ai no meio, excessiva em excesso - tão cansantiva que a redundâncias é pertinentes. Minha mãe mede beleza pelo nariz. Mostro alguém, mãe olha que lindo, ela replica, que nariz horroroso. Aí não interessa mais se tem um andar felino, olhos bonitos, cabelo macio ou se articula bem. Quando eu penso que queria resolver as coisas pelo nariz (esse tem um bom, é ele mesmo) lembro que nunca resolvo por método nenhum. Eu nunca sei falar para ninguém ir embora, e deixo tudo solto, com expectativas pairando no ar. Não sei se querem ficar, ou se meio jeito indeciso os impede de ir.

Se me ligar de madrugada eu converso. Concedo colo, ouço reclamar da mãe. Arranho, debocho junto, até mordo. Depois vou embora.

Sobem as janelas de conversa, os copos suam na minha mão ("que curso cê faz, moça?"), um pêndulo oscila impaciente por detrás do meu estômago. Já posso ir? Hoje meu pai definiu o problema. Cê têm umas crises de identidade, já quis até ser freira. A admiração por religiosas já decifrei: encanta-me a firmeza da decisão, sendo eu a senhora das histórias frouxas. Coisa de quem tem quadril largo. Ando gingando, balanço a vida, é oscilante minha vontade, num dia sou solícita noutro finjo que não vi.

Aiai. Largar tudo e viver só por Ele. O amor não-maltrapilho. A última vez que fui na casa das irmãs encantou-me uma noviça. Pele de leite, cachos pretos tão bonitos, enrolados longos e decisivamente. Era até covarde estarem presos tão sem graça, num rabo baixo. Os olhos azuis. Jeans, camisa qualquer. As pessoas sublimes ignoram as aparências, vivem dentro do conforto das almas bonitas. Eu lá, dentro de um short apertada, pensando com a ponta da minha língua num último cara aí. Indigna.

De um, gosto do jeito que gesticula e de ouvir o meu nome. Na boca dele é sonoro. Não, sarah. Continue me negando, por favor. Rapazes das costas fundas. Estou afundando. Quando a barba traça o desenho da boca. Quando entende de cinema e música. Quando carne sobra ao invés de faltar. Quando não há distinção entre pupila e íris, quando resolvem as coisas de forma pragmática, quando caibo bem nas paredes, quando... já era. Meus pseudo-amores têm a duração das minhas unhas: se o esmalte for vermelho no máximo três semanas sem quebrar.

Voz melodiosa, olhar distante, poesia, me dá vontade de chorar, certa graça desamparada. Nada adiantou. Nenhum mereceu três linhas de versos. Amor é ilógico. O biológico a gente doma. Um por vez, mordo e assopro, isso pode isso não, me solta vem cá, conciliamos de acordo com as circunstâncias.

Não confio claramente em quem sabe exatamente onde tá minha cintura. Nos outros eu finjo confiar. Homem não pode ser esperto e os bobos não me interessam. Sei que sou cínica. Não tenho estômago para mãos dadas num salão de festas ou para sentar do lado em um sofá da sala. Prefiro o mistério que me cerca numa esquina, onde me espreita só a lua - ela não cobra que eu permaneça depois. Não amo, mas me divirto muito. Desculpa, mãe. Eu sei que tudo que cê queria era um narizinho bom, que me levasse de mãos dadas para missa. Infelizmente, só a ideia já me deprime. Mas uma hora eu canso, sem pânico. E para missa eu sei bem ir sozinha.

Era para falar de amor, mas não posso falar do que eu não sinto. E nem mereço. Afinal de contas, meu nariz é dos piores mesmo. 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Um dia qualquer em Divinópolis

Já reparou o tanto que esse quadro da Márcia é bonito? Não vó, não tinha reparado.
É uma perfeição de santa ceia. É ponto cruz. Faço ideia o trabalho que isso deve ter dado.

Quanto tempo ela demorou vó, cê sabe? Uai, me parece que foi um ano. Quem faz um quadro de presente por um ano tem é a alma bordada,né vó. Pensei.Quantos pontos de amor terão nele? Comentei não. Só comi o minguau de aveia com fubá em silêncio. Um bicho passou voando e bateu bem na teia da aranha. Vó, sabia que ermida é o nome da capela que tinha nas fazendas coloniais? Tinha ermida na casa do seu avô? Não, tinha não. Mas oratório tinha (ah, o museu de São João tem um tanto de oratório), tinha uma parede lotada de santo. Engraçado, cê acredita que lá no quilombo, sendo pequeno do jeito que era tinha duas igrejinhas? Ó. Estamos na copa e está quente demais em Divinópolis, rezamos o terço no sofá ao lado do presépio, já ornado com Jesus bebê.

Mãe, tô querendo comer mais carne não (ela chega com latas de sardinha). Fui caminhar hoje e não dei conta, tava quente demais, fui de calça para passar na igreja (há em mim resquícios de temor a Deus). Cheguei na Catedral, rezei e voltei. Esta igreja é a seiva desa cidade, sem ela não tem vida. É aquele teto pintado de santos e o tom amarelo mistério que deu vida à tudo isso em Divinópolis: casa, árvores, praças, crianças, bares, cães. O livro da vocação carmelitana diz: não nascemos para nós, e sim para Deus e para os outros. Pequei quando debochei da minha mãe. Olha, Sarah, que gracinha (monstrando um guardador de papel higiênico todo bordado de flores). Quanto cê deu nisso? Vinte reais. Nossa, mãe, não acredito que cê gastou vinte conto comprando um trem de guardar papel higiênico. Que que tem? É bonito, aqui em casa nunca teve, eu sempre quis ter um. Ofendida. Desculpa, mãe, vou ler mais sobre a vocação carmelitana. 

Gosto da manhã e da tarde, horário de almoço me deprime. O sol é muito amarelo, o dia para, estamos no meio sem estar em lugar nenhum. Comi sopa de legumes. Essa cidade me trás saúde, a outra me tira. Gosto dos moços sem excessos, pela metade que nem eu. Amor é coisa que assusta. Esse caso divertiu dona Maria ao contar: eu morria de medo do palhaço do reinado, teve um dia que passei aperto demais com um quando era menina, ele tava na mesma casa que eu, e eu apavorada. Depois de um tempo, namorei o rapaz!Flertei com o mocinho que fazia o palhaço, vê se pode! Flertar é palavra que minha geração desconhece, vó. Somos rasos. A grande questão da noite: qual a diferença entre reinado e folia de reis? O bicho na copa solta-se da teia de aranha e volta a zumbir nos ouvidos, passa um carro barulhento lá em baixo do prédio, mas a rua parece estar tão longe. O apartamento é um lugar a parte do mundo. A noite é quente, o presépio sutil, as contas dos terços coloridas. 

Vó, cê merece todos os quadros bordados com ponto de amor do mundo, mãe, cê merece todos os guardadores de papel higiênico. Eu é que sou indigna de habitar a beleza deste lugar.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

De: Maria Para: Maria



Maria da terra
oferece à
Maria do céu 
as flores de Santo Antônio
que com amor cultivou. 

"aqueles pão-de-queijo que
eu fazia, fia, ninguém ligava, 
eu parei de fazer. Porque eu num faço
pra mim, é pros outros."

"Filho, eles não tem mais vinho."

Piedosas
olhos azuis
manto azul
flor, dor, amor.

Maria da terra e do céu se confundem.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Um rato

Eu tenho constantes quase-mortes.
Acordo, como, corro, almoço, cochilo, acho ruim de ter que acordar novamente. A promiscuidade e superficialidade da cidade contaminam. Como viver plenamente num lugar onde as igrejas são de ouro?  Deus foi embora delas.  Ouro, mármore, formas encaracoladas, cheiro de madeira antiga, expulsaram o Senhor. Brinco, batons, bota, copos e vontades, expulsaram Deus de mim. Desde então, arrastei exercícios avaliativos, festas sem ânimo, poucas horas de sono e vontade de dormir para sempre. Achei o álcool agressivo e as madrugadas também. Não li. Não escrevi uma linha.  Esqueci o porquê do jornalismo. Por detrás das cutículas cansadas perdi a sensibilidade dos dedos. Senti as pessoas só na ponta da língua sem me importar com quem veio ou quem foi. Eu não havia conseguido lidar com as baratas ainda quando apareceu um rato. O rato invadiu minha vida. Passou na minha copa, escondeu-se na minha cozinha, serelepiou enquanto eu chorava. Gritei histérica, pedi socorro.

que vida é essa?
Sobre o chão que acolheu meus pés, por vezes alegres e cambaleantes, por vezes cansados ou doloridos, o chão que me conforta nesta terra que não é a minha, um rato de esgoto qualquer passeia.  Não se importa com meus versos, meus constantes pesadelos, meu travesseiro, o terço sobre a janela ou meu medo de estar só. É alheio aos estoques de biscoitos ruins, berinjela e limão na mesma cozinha que ele habita, fantasmas da minha constante obsessão com peso. Eu odiei o rato. Odiei, gritei por três dias. Fiquei excessiva como estou hoje com as palavras, cheia de alardes, porque na minha vida exista um rato, um não-autorizado rato.

 Um rato fez-me perceber a tirania que é viver. Não importa meu repertório, o grande discurso, se o amor de Deus é infinito: ratos, obrigações, álcool, o fisiológico, nos subjugam. Um fio condutor, uma linha tênue me permite existir, e por vezes existir miseravelmente. É dura a existência porque precisamos retirar as cutículas e pintar as unhas. É assustadora a quantidade de sódio nos alimentos. Quando chove, assusta-me ficar só nessa casa de porta e janelas tão próximas da rua.
São João del Rei choveu por dias a fio. Aqui dentro chove há meses. Esqueci-me do grande porquê. E dos pequenos também. Não entendi mais meu imenso gosto por cheiro de café. Não falei pelas manhãs, "obrigado Senhor, pelo dia que nasce pra mim e pelos meus", não coloquei-me em silêncio apaixonado diante do Sacrário. Perdi a hora de voltar para casa, tomei chuva sem nenhuma graça. Desapaixonei-me das pessoas, da palavra "largo", e dos mistérios dos sinos.

Então isso é tudo que tenho feito. Arrastado-me entre os campus Tancredo Neves e Santo Antônio, entre a Avenida Leite de Castro e Paulo Freitas, entre o Sales e a padaria, achando estes nomes próprios rudes demais. Ônibus. Horário. História do Jornalismo. Por vezes, saí sob uma ignorante chuva sem freios, sem zelo pelas pessoas que sofridamente cumprem suas sinas. E pensar que fui eu que cavei todas as minhas.

Um dia, vi um pássaro pousado num galho de mato. Ele era muito pequenino, ainda assim, não imaginei que um galho poderia sustentá-lo. Eu ia com sono demais sob um sol machucando minha pele para o Santo Antônio, e estava amaldiçoando o dia até o momento. Mas era muito bonito o pássaro. Era impressionante uma beleza tão pequena. Algo faiscou em mim. Noutro dia, uma amiga viajou duas horas, sob o pretexto de vir para uma festa, mas o grande motivo era mesmo me dar um abraço e colo. Ajudar-me a chorar enquanto percebo a graça que tem sido minha busca por profundidade: eu mesma nunca estive tão rasa! 

Neste fim de semana visitei um cemitério e achei os túmulos bonitos. A morte é tranquila, cheira a sol quente, mato, vento suave e flores murchas. O barroco não é tão assustador assim. Eu sou também de barro e oca (com sua licença, Adélia). Consolo-me com minhas metades incompatíveis. Não sei ser de ninguém, nem de mim mesma: constantemente me desobedeço. Minh'alma não encontra com outra, pois procura à ela mesma. Sempre acho que falta algo em tudo que escrevo.Tell me that you'll open your eyes. Diz a música. Meu coração ainda se alegra quando batem na minha porta no meio da tarde sem avisar, a gente tava passando por aqui e resolveu vim te ver. A rafa pediu para eu levar o pendrive, o jão trocou a lâmpada para mim, os meninos trouxeram um videogame pra cá. Quando entro na capela das irmãs enclausuradas, meus olhos ainda se arregalam na direção da janelinha por detrás da qual elas se escondem. Observo a chama do Santíssimo. Penso que mesmo pequena, mesmo que eu não esteja sentindo, ela ainda crepita dentro de mim.

Algumas coisas me fazem existir nobremente. Meu fascínio por religiosas, o travesseiro com nome, as visitas ao Seu Paulo. O fato de que enquanto os roxos são no meu corpo eu levo na boa, quando são na alma de alguém, me tiram a graça e arrancam uma lágrima. No dia de Nossa Senhora das Graças, sem saber, pus meu colar de terço. Quem contou foi o Jão, Fato é que eu não queria ter me perdido tanto, mas vai ser muito bonito me reencontrar. 

Fiquei séculos pra escrever esse texto. Porque eu quero ser sempre poética, literária, mas nem com o esforço eu conseguiria agora. Estou seca, opaca, alheia. Só saiu quando eu entendi que ele era uma necessidade não-poética. A poesia é lúdica, transcendental, espirituosa. Adjetivos que estão longe de mim: estou gordurosa, biológica, cheia de fomes corporais. Sonos, gritos, ranger de dentes. Eu quero  mesmo um galho de arruda, uma boa benzedeira, uma novena, talvez um perdão sincero. 

No terceiro dia, não gritei com  o rato. Eu e mais duas amigas incríveis rimos na presença dele. Armamos com certa leveza esquemas táticos para pegá-lo. Fernanda, fica com a vassoura perto da geladeira enquanto eu cutuco ele aqui no canto. Um quarto elemento foi necessário para tentar exterminá-lo. Mateus, mata o rato pra nós. O danado fugiu. Passou do lado do meu pé, e dessa vez eu não chorei. Não chorei porque compreendi que o rato é um dos incidentes da vida. Minhas quase-mortes também são. 

O rato saiu pela porta da frente.
O café da Cássia cheira muito bem. Ainda quero dançar na Coliseu, ir no show do The Rio Mansion, arranjar um grupo de oração pra frequentar por aqui. Descobri músicas tão opostas e tão igualmente boas: Realidade ou Fantasia e A pé. O museu de Sant'Ana em Tiradentes é lindo. Amo museus. São João tem alguns que ainda não entrei. Este texto bem mais ou menos me tomou uns três dias, e mesmo a poesia teimando, vou seguir gritando e descabelando atrás dela.

O fato é que tenho quase-mortes, mas também constantes pequenas redenções.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

SOLAR






se fosse uma cor, amarelo.
um sentimento, euforia.
talvez um som? risadas.

quem conhece sabe
que está longe de ser
só a moça do cabelo bonito. 

há dezenove anos
esta terra
mais ou menos perdida
gargalhou com seu nascimento.
desde então ela não parou de rir.
fernanda goteja esperança
a cada amanhecer. 

terça-feira, 11 de novembro de 2014

mamãezinha

nisto reside poesia:
descascar laranjas, 
enrolam-se em cheiro fresco
as cascas alaranjadas
espedaçadas pela minha pouca habilidade.

minha mãe dizendo:
"no natal o que gosto
é de imaginar o menino Jesus
neném!
ele peladinho, Maria dando banho,
o bebê molhadinho. 
que gracinha!"

Indo pegar o carro depois da missa
num domingo pouco fresco em divinópolis
Sueli fez poesia e nem notou

terça-feira, 4 de novembro de 2014

três minutos




Escrevo pra dar forma ao sentimento.
se não me levanto pra construir os versos
de manhã eles não existem mais.

não sei porquê nasci
não sou nada.
nem gorda
nem magra
meus cabelos não definem
em cor ou tamanho
vocação para beleza não tenho
mas nem pra ser feia
eu servi

meu corpo me domina
e as duas da manhã
levanto pra arrumar o colchão
e fazer um miojo.

como pode ser a vida

tão sublime e tão vulgar?
a boca que come miojo
comunga também o Corpo de Cristo.

descasca o esmalte na minha unha
na torre do Rosário tocam o sino 
essa cidade tem irmãs enclausuradas

se não há rapaz que me apaixone 
como as freiras,
por que eu insisto em pegar tantos copos? 

miojo é uma palavra indecente.
é a frase que minha mediocridade
concebeu para aqui concluir. 






quinta-feira, 23 de outubro de 2014

isso merecia ser escrito?

Eu não mereço um amor. 
São João me induz ao erro.
Os que me entretêm por mais de 5 segundos
não podem ficar

dos outros eu quero partir

se  tivesse um amor
eu matava devagarinho 
cozinhava em fogo baixo
que eu nunca fui de gritar

aos rapazes de boa intenção
meus sentimentos

mas minhas boas inclinações se perderam. 

domingo, 19 de outubro de 2014

jornalistas


Um homem
invade 
a guerra
porque pede
sua profissão

jornalista.
a câmera que filma
o momento
do tiro
não mostra
o que nele 
é humano:

um coração 
que quase parou
para 
poder
informar

me repito
o Filho do Homem
não tem onde
reclinar a cabeça

o jornalista também não.

estamos exatamente
onde profissão
quis casar
com paixão

terça-feira, 14 de outubro de 2014

mas quando ela dança



Deito na cama e não durmo. O que São João del Rei faz com uma pessoa? Sódio, fritura, álcool. Mata. Eu vim conceder celulite às minhas pernas, e ouvir meus professores dizerem que serei pobre? Nem tudo está perdido: há aquele inconfundível som, das rodas de carro contra as ruas estreitas de pedra sabão. Em certo ponto, vende-se picolé sem embalagem, com pedaço de fruta, bem ali, no pé do morro da casa de uns meninos estranhos. É bonito como se erguem imponentes, as igrejas rebuscadas de anjinhos de mármore, contra um céu incrivelmente azul. Antes eu não me sentia em casa, agora minha gaveta da cozinha tem xícaras. A marca do café é a mesma que dona Maria compra. A diferença é que ninguém me chama de "fia",  não rezam o terço comigo, e uma e quinze da manhã, empurram minha janela me gritando. É sem medo que afirmo que universitário é uma raça, e das mais ordinárias possíveis. Vivem gritando pelas ruas de madrugada, pregando os chãos com bebida, atormentando vizinhos com música ruim. Desonestos, mentirosos, preguiçosos, dissimulados, interesseiros. Incrivelmente espertos para raciocínios ruins. Não parece que estamos construindo um futuro. Ficamos maltrapilhos quando nos botaram o seguinte peso nas costas: sejam alguém. Preciso de um bom CR, de um curso de inglês, de um currículo extenso, de tirar ao menos 6 nessa prova, de fazer um curso que não seja jornalismo... de um copo de gummy. Não sei editar videos, fazer cartazes, elaborar perguntas pertinentes, nem tenho uma grande câmera preta. Trouxe comigo só meu excesso, as linhas tortas e essa insaciável paixão. Se o Filho do Homem cursasse algo, seria jornalismo. Se eu fosse freira, cuidaria de um jardim. De rosas, e um dentro de mim. Tenho essa vontade de amar o mundo, e quando toca uma música bonita no carro, alguém pergunta o nome, é o fim da aula, e estamos indo embora na noite escura, eu amo. Quando a Leite de Castro está confusa de carros, fumaça e gente de cara feia, e eu quero desacreditar, uma música bonita toca no telefone também."Tell me how I'm supposed to breathe with no air?", me dá até vontade de ter um amor bem doído. Acordo de madrugada com sede excessiva e as canelas roxas, os sapatos na área estão atolados de barro, mas é bonito morar numa cidade recheada de palavras como largo, pelourinho, mercês, pilar. Sinos repicam à senhora morta. Essa gente cheia de "boto fé", "ô viado", chamando festa de rock, é engraçada demais. Alargam em mim um sorriso sem muita reflexão. Não sei bem o porquê de estar escrevendo isso. Acho que é só pra contar que São João já me permite escrever.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Onipresente

Quando deito na cama
pra dormir
gosto de pensar que estou
na concha da mão de Deus
que me nina
a sorrir

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Ô, meu Senhor...

E como eu poderia ficar aqui, e não me comover com você?

ô Senhor, 
me volta uns dois anos e meio, 
me deixa chorar 
assistindo o teatro do grupo de jovens.

me deixa sofrer só um pouquinho
e ouvir falarem do amor de Deus
pela trilhonésima vez,
deixa uma mão boa pousar no meu ombro
e rezar por mim. 

quero voltar Amado, 
por uma blusa de malha com dizeres religiosos,
amarrar um rabo sem vaidade, 
por jeans, tênis
e dançar 
"quero louvar-te, sempre mais e mais"

deixa eu viver de novo
pelo Teu próprio Amor,
que enjoei desta carne miserável
lembrando
que não sou digna
da boniteza
do teu Infinito Amor.




terça-feira, 9 de setembro de 2014

?...


quando me deixaram
fechei uma prova
quando nasceram
Nathan e Felipe
descobri em mim
uma dolorida e absurda
capacidade de amar

quando vejo o azul
dos olhos da minha vó
quero que virem um mar
de sofás, café, e terços
rezados com devoção
ansiando beber
essas gotas de felicidade
que perdi em são joão.

quando. 
quando você vem?


domingo, 7 de setembro de 2014

faculdade

enquanto o professor
reduz-me a um complexo de Édipo
mal resolvido
eu penso
que se os universitários são o futuro do país
estamos todos perdidos
com estes poços
de álcool e superficialidade

prova, trabalho, prazo.
o ser humano engaiolou a vida desta forma
com que propósito?

estou pensando demais.
se me dessem um pote de paçocas,
eu parava.


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A estrada

Quando se vai
de Divinópolis para São João del Rei
passa-se
pelo ribeirão Boa Vista
e o ribeirão Mamdembo
o segundo
gordo de emes.
Cruza-se
com o Rio do Peixe
e a esquerda em certo ponto
encontra-se o povoado
Félix da Costa.
lugarzinho de poucos postes
(penso eu)
onde estão apenas filhos,
netos
de ilustre senhor Félix.
"parece feliz da costa"
brinca uma amiga.
e eu penso
que a vida lá
deve ser uma felicidade tremenda mesmo.

Um caminhão passa com a seguinte frase:
"eu quero, eu luto, eu consigo"
vaquinhas malhadas pastam ao redor
ipês pomposos de amarelo
chamam os olhos
no carro toca:
"só me fala onde
que eu vou te buscar agora"
Meu organismo não medicado
enjoa,
mas a alma vai feliz:
passa-se pela estrada Divinópolis - São João del Rei
mas ela não costuma
passar por a gente.

sábado, 9 de agosto de 2014

São João del Rei


São João del Rei me mata
com suas igrejas barrocas
pesadas de ouro e suor escravo

São João del Rei me mata
com seus universitários barulhentos
extasiados com sua própria miséria

São João del Rei me mata
com seu frio cortante
com minha casa escura
com o estreito de suas ruas
com os cheiros de vó, café, e mato
que não tem

São joão me futiliza
fadiga
esfria
animaliza
impacienta
me cobra mais do que posso dar
assassina meu eu poético

São joão me mata ao amanhecer
e antes de dormir me faz lembrar
que eu
adoro morrer


Jornalismo

Meus professores estão tão apaixonados
por aquilo que eles não sabem
mas eu sei
que é a vida

"O filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça"
o jornalista também não
Nesse curso só se fala em paixão

é por isso que estou aqui
um amor desatinado
deve ser isso que mora em mim.

terça-feira, 29 de julho de 2014





Tem horas que eu só sei pensar "esse povo lê mesmo o que escrevo? Se lê, entende? Se lê, por que o faz?". Ainda vem, e diz que gosta, que escrevo bem, que adorou... e eu nessa, perplexa, mas gente, como pode, se tudo que ponho em linhas é porque fica girando dentro de mim até eu enjoar. Escrevo como quem vomita. Querer eu bem queria, ser lírica e literária.  A mestra fala em anjo esbelto (expressão bonita!), Jorge Amado diz que homem bom tem uma estrela no lugar do coração, a sagrada escritura tem frases que de tão lindas parecem carinho, "olhai os lírios do campo..." Ah, Senhor, tende compaixão de mim, se eu for capaz de pôr em palavras a belezura de um entardecer divinopolitano, será para louvar teu santo nome. Olhar essa rua às cinco da tarde e ouvir barulho de van é mesmo uma facada no peito. Era eu, ano passado. Descia a ladeira do Cefet e lá embaixo já aglomerava-se gente, duas, três vans. "Os exercícios de fixação são pra amanhã, Tati?", "É sim, sarinha". Estamos cansadas e cansados. Costuramos, fizemos desenho técnico, sentimos calor... vamos felizes demais pra casa. Nenhum dia eu me esqueci de pensar que o pôr-do-sol ali em cima era o mais lindo do mundo. Não canso de amar aquele povo. E no auge da minha alegria universitária, quero sentar com a Ana e discutir a vida no banco mais uma vez, ouvir o Lucas pedir doce de coco, reclamar com a Erilda das costuras que deram errado. É por isso que não sirvo para ser grande mestra da literatura brasileira, tudo que falo é porque me incomoda por dentro. Agora por exemplo, pesa no peito esse tempo de ensino médio. Sonho com alguns, falo em outros, risadas ressoam na minha mente. Quem não tem capacidade não devia ter vontade, é o que penso, e sigo com minhas linhas tortas. Não me deixam ser esquisita de jeito nenhum, estou sempre tendo que dar explicações. Esses dias meu tio do andar de baixo bateu perguntando o que tinha acontecido comigo porque eu estava ouvindo sertanejo. Rindo é verdade, mas confuso sobre mim. Interrogações se formam ao redor dos batons vermelhos e as blusas de santo, as folhas de alface e o brigadeiro, o tamanho da saia e o tamanho da alma. Queria ver na minha certidão, o tópico que me obrigava a fazer sentido na vida. Não me deixam ser freira, minha mãe não quer que eu beba, não consigo brincar com o sentimento dos outros nem um pouquinho. Aí é o meu que fica todo zoado, brincando de montanha russa. Queria mesmo era chamar Lola, um nome que sobe e desce na boca, e me divertir com a paixão dos outros, que podia ser pesada, mas eu veria de uma forma leve. Aí eu gingaria meus quadris sem culpa, minhas unhas não seriam fracas lascando todo o tempo, se manteriam em tons escuros. Vi a Adélia no centro hoje. O tempo ficou suspenso. A blusa dela era cinza, o dia também era, cinza é a cor do sangue do meu corpo parando de emoção. Fiz nada, a deixei ir. Primeiro pensei que Deus lançou-a em meus braços e eu deixei cair, aquela que me fez nascer. Depois vi que era certo, assim como tudo na minha vida. Sempre acerto quando erro. Aiai, minha virgem do Carmo, protege minha casinha em São João, ilumina o vestibular da Bárbara e da preta, eu uso com gosto o escapulário que achei no chão e foi a senhora que me deu. Pego copos, arranho pescoços, canto "vai brincando pro cê ver", mas meus santos estão todos em seus lugares. Teresa, Chiara, Francisco, não saem dos pedestais da minha vida, nem a arma de fogo. E olha que esses fogos torturam. Ah, eu queria mesmo era o Cefet, para o qual se ía comer em uns dias peixes e em outros carne moída, e as aulas não traziam o peso culposo de quem se está decidindo a vida. 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Fá!

Hoje, tudo o que eu queria era um texto de linhas bonitas. Olhei a tela, ouvi músicas, fritei batatas, pensei em tanta gente... A sensação indefinida que tenho tido, e que oscila indo e vindo em intervalos desconexos, voltou. É uma vontade. Ela vibra, como se formasse um grito dentro de mim e não sai. Não sei bem do que é: tenho vontade de pisar em grama e terra, tomar chuva, pegar filhotes, comer cerejas, sentir alguém respirar. Que alguma mão segure na minha e me obrigue a ficar. Piso Divinópolis como quem pisa o céu. Há um lugarzinho no bairro: quando ando minha rua, quase seis da tarde, o céu desdobra-se em várias cores. O cheiro de janta vem de uma casa, um cachorro late, piso algumas goiabas caídas do pé, o cheiro delas confunde-se com o de janta e de fim de tarde. Tudo isso me desperta uma ânsia enorme. Quero gente, quero Deus, quero colo, quero descobrir o grande motivo. O que mata é a vontade: seja da carne, seja da alma. Ela não passa, é uma fome faminta. Algo nasce dentro de mim, e demora a tomar forma. Sinto dores de parto, vontade de gritar, de rezar, de beijar, de ser, de estar. Eu sei que vou explodir. Temo por quem estará próximo. 

terça-feira, 22 de julho de 2014

Essa doçura que é a palavra


Algumas palavras
me envolvem
até a alma.
Erva-cidreira
traz na pronúncia
tanto verdume doce
que fico terna
e quero ouvir minha vó falar
dos seus brincos de rosas azuis.
Ouço
e bebo o chá
como quem ingere
Deus em gotas.

domingo, 13 de julho de 2014

domingo, 6 de julho de 2014

Re

sou feliz
porque olho pro relevo no chão do ônibus
e no formato
enxergo florzinhas.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Preta

Todo sopro que apaga uma chama reascende o que for pra ficar.

Coisas
que categoricamente me remetem à você:
um céu doendo de azul
libélulas
jake, o cão.
Cachos
um Sacrário
do mais lindo de todos
com uvas e um cálice pintado.
um barco que vai
um vento que vem
bate nas árvores daquela escola
enquanto discutimos profundidades
no banquinho
e eu lembro,
da música do bem-te-vi.
"Eu quero fazer uma coisa, Ana, uma coisa que é
maior que eu!"
"eu também, eu também! Sinto a mesma coisa."
Sentir a mesma coisa é refrescar a minha alma
abafada.
você vem com essa sua mão cheia de unhas longas,
e arranha a minha alma,
a incomoda,
e ela
não acomoda.

Mais coisas:
laranjas
obviamente,
melancias,
filtros do sonho.
Saias longas
penas
pedras
oráculos de maio
e cacos para um vitral.
dudu, o cão.

sei não. é difícil demais te dizer as coisas.
só sei
que dádiva maior é encontrar por essa vida
um ser humano bonito.

então,
presente maior cê já me deu
tem como te presentear mais não.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Do

Acho coisa triste o moralismo
essa tentativa pomposa
de disfarçar a falta de caráter
humano

antes eu tinha certeza
depois eu achava
agora eu desconfio.

É petulância demais andar sobre um globo
e achar que se chega a algum lugar

quarta-feira, 18 de junho de 2014

UTOPIA

se eu pudesse
só uma vez ser salvação,
eu salvaria todos os solitários do mundo
da solidão.
porque lhe afirmo, amor
há dor pior que esta não.

Ah, se eu pudesse,
ser um abraço quentinho
que acolhe o mundo todo.

Sou não.
Sou mão.
que tenta tatear o amor.

o Amor me morde,
ele,
que é feito de dentes.

sábado, 8 de março de 2014

Não precisamos ser

Não precisamos ser
 comunistas,
fascistas,
 da direita,
da esquerda,
machistas,
feministas,
católicos,
ateus,
espíritas,
protestantes,
hinduístas,
políticos,
apolíticos,
ricos,
pobres,
anarquistas,
ativistas,
donos de ongs,
politicamente corretos,
simpáticos,
espertos,
populares,
antipáticos,
lentos,
excluídos,
amantes das artes,
intelectuais,
conscientizados,
dotados de dons,


só precisamos
ser bons.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Justificativa.

Escrevo,
para alimentar minha alma
escrevo
senão a palavra vibrante em mim
me mata

Vivo,
pois coisas bonitas me motivam a viver
vivo
apesar da angústia infinita
de existir e de ser

Não quero ser mãe
mas preciso ser vó
fazer tachos de doce
achar de extrema relevância
os forrinhos de mesa

não pretendo gerar em mim
mas quero gerar para os outros,
amor como golinhos de mel.

Amo tanto que dói.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Algumas promessas anuais

Não quero rendar-me nessas linhas, quero prometer como quem assina contrato.
Neste ano anseio ser: pragmática, objetiva, simples e necessária. Renego meu excesso de mesuras e complicações para trilhar caminhos mais amplos, mais belos, mais claros.
Comprometo-me a cultivar com amor sincero todos os seres incríveis que iluminaram meu ano anterior, e devolver-lhes tudo o que me proporcionaram. Derramar gratidão sobre a vida, que me tem sido tão gentil, e assim descobrir mais belos frutos nela.
Vou, aos poucos, lixar meus medos e inseguranças homéricos, e assim, voar muito mais alto.
Quero alimentar tudo que há e bom em mim, e deixar morrer o mau.
Quero trilhar o desconhecido engrandecedor, pisar em incríveis terrenos desconhecidos. Aprender a sentir dor, aceitá-la como indispensável.
Derrubar de uma vez por todas as primeiras impressões, surpreender-me com o verdadeiro em cada nova pessoa. Descobrir novos universos contidos nelas.
Serei muito mais para os outros, e muito menos para mim.

sobre a grande lição que deixou 2013


Pra ser bonito tem que doer.