Amor é uma palavra maltrapilha. Já foi mastigada, regurgitada, reustaurada, invertida... mais usada em vão que o nome de Deus. Paixão é brega. Apaixonados. Nem a sonoridade é agradável: a palavra sobe e desce na boca, som de x som de s, um ai no meio, excessiva em excesso - tão cansantiva que a redundâncias é pertinentes. Minha mãe mede beleza pelo nariz. Mostro alguém, mãe olha que lindo, ela replica, que nariz horroroso. Aí não interessa mais se tem um andar felino, olhos bonitos, cabelo macio ou se articula bem. Quando eu penso que queria resolver as coisas pelo nariz (esse tem um bom, é ele mesmo) lembro que nunca resolvo por método nenhum. Eu nunca sei falar para ninguém ir embora, e deixo tudo solto, com expectativas pairando no ar. Não sei se querem ficar, ou se meio jeito indeciso os impede de ir.
Se me ligar de madrugada eu converso. Concedo colo, ouço reclamar da mãe. Arranho, debocho junto, até mordo. Depois vou embora.
Sobem as janelas de conversa, os copos suam na minha mão ("que curso cê faz, moça?"), um pêndulo oscila impaciente por detrás do meu estômago. Já posso ir? Hoje meu pai definiu o problema. Cê têm umas crises de identidade, já quis até ser freira. A admiração por religiosas já decifrei: encanta-me a firmeza da decisão, sendo eu a senhora das histórias frouxas. Coisa de quem tem quadril largo. Ando gingando, balanço a vida, é oscilante minha vontade, num dia sou solícita noutro finjo que não vi.
Aiai. Largar tudo e viver só por Ele. O amor não-maltrapilho. A última vez que fui na casa das irmãs encantou-me uma noviça. Pele de leite, cachos pretos tão bonitos, enrolados longos e decisivamente. Era até covarde estarem presos tão sem graça, num rabo baixo. Os olhos azuis. Jeans, camisa qualquer. As pessoas sublimes ignoram as aparências, vivem dentro do conforto das almas bonitas. Eu lá, dentro de um short apertada, pensando com a ponta da minha língua num último cara aí. Indigna.
De um, gosto do jeito que gesticula e de ouvir o meu nome. Na boca dele é sonoro. Não, sarah. Continue me negando, por favor. Rapazes das costas fundas. Estou afundando. Quando a barba traça o desenho da boca. Quando entende de cinema e música. Quando carne sobra ao invés de faltar. Quando não há distinção entre pupila e íris, quando resolvem as coisas de forma pragmática, quando caibo bem nas paredes, quando... já era. Meus pseudo-amores têm a duração das minhas unhas: se o esmalte for vermelho no máximo três semanas sem quebrar.
Voz melodiosa, olhar distante, poesia, me dá vontade de chorar, certa graça desamparada. Nada adiantou. Nenhum mereceu três linhas de versos. Amor é ilógico. O biológico a gente doma. Um por vez, mordo e assopro, isso pode isso não, me solta vem cá, conciliamos de acordo com as circunstâncias.
Não confio claramente em quem sabe exatamente onde tá minha cintura. Nos outros eu finjo confiar. Homem não pode ser esperto e os bobos não me interessam. Sei que sou cínica. Não tenho estômago para mãos dadas num salão de festas ou para sentar do lado em um sofá da sala. Prefiro o mistério que me cerca numa esquina, onde me espreita só a lua - ela não cobra que eu permaneça depois. Não amo, mas me divirto muito. Desculpa, mãe. Eu sei que tudo que cê queria era um narizinho bom, que me levasse de mãos dadas para missa. Infelizmente, só a ideia já me deprime. Mas uma hora eu canso, sem pânico. E para missa eu sei bem ir sozinha.
Era para falar de amor, mas não posso falar do que eu não sinto. E nem mereço. Afinal de contas, meu nariz é dos piores mesmo.