quarta-feira, 20 de maio de 2015

É a última vez que falo sobre nós

foto: Kleyton Guilherme

Ultimamente o que mais tem me irritado são as pessoas que andam lentamente sobre os passeios. Eu, sempre apressada, com minha mochila e meus mal hábitos pesando sobre as costas, e as senhorinhas comentando do Tião com aqueles passinhinhos comedidos. O nome desse lugar eu nem quero citar mais, essa cidade pesa até na pronúncia, é um "delll" muito arrastado, enrolado demais. Até tento fazer poesia com isso mas não dá, o cerne da minha questão é banal: o que que eu tô fazendo aqui, tão longe de casa? Cadê minha vó descendo as escadas com seu andar curtinho, abrindo a porta lá de casa, e dizendo "fia, coei café."?

A gente suaviza com uns sorrisos, um video engraçado ou umas festas mesquinhas, mas a verdade é que a vida tem sido hostil. As casas são escuras. Os autores indecifráveis. Os prazos estreitos. Os campus gelados. As pessoas, da pior espécie. Outra explicação banal: faço jornalismo porque tenho gosto enorme em ouvir as pessoas. E no fundo, não me importo tanto quanto a entrevista é sobre um museu e me contam da mãe da tia ou da vó. Afinal só nascemos uns pros outros e a existência baseia-se nisso, ainda que insistamos em gastar dedos em telas. 


Ô meu Deus, me dá quatorze anos, um quarto cheio de ursinho, Too little too late da Jojo pra ouvir e um namoradinho estúpido. Me dá um livro de química do ensino médio, mas me livra desse peso de habitar esse quarto de paredes rosa-coral cínicas, da dureza que é querer cama até às nove e levantar às sete. Ou só me livra de ser tão dramática e dessas pessoas miseráveis de amor.Ou dessas vaidades estúpidas que me impedem de ir logo para um convento. É penoso querer ser boa e esse excesso de tato, não quero mais  lamentar quando salgo a comida, quero o direito de gritar e atirar as coisas nas paredes e beijar as pessoas sem aviso prévio. Alguém diz: “fala pra ele ligar no 1027”.


Maldita foi a hora que Adão percebeu que estava nu e entramos nessa de ligar no 1027, sair 15 pras onze, descer o morro para pegar um ônibus e ir a oftamologistas. Eu sei que Deus não erra, mas acho tão indecifrável permitir dias que ficam em tons de cinza. Não bastasse o frio, a ausência de cor também sabe castigar. Nesses dias eu queria minha cama em Divinópolis, infinitamente mais confortável. Em São João delll-Rei há dias que tudo em que se quer é um pão que não seja de forma, um bom dia sincero ou alguém que abrace fora um cumprimento. As pessoas aqui não olham nos olhos, só enxergam entornos. As gargantas se inflamam, os dias se arrastam, as greves ameaçam, o pote de arroz já passa da metade - quem vai comprar?-, a moralidade oscila. A cachorrinha chora, com as patinhas detrás do portão, enquanto as meninas apressadamente entram e saem. 


“Se alguém deseja seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a a sua cruz e me acompanhe.”, diz o Senhor. Eu pego a cruz, a mochila, blusa de frio e sombrinha e vou. Vivendo sob um traçado de linhas irregulares. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Um cansaço

um buteco de esquina
portas azuis descascadas
um maltrapilho cão

de um moço
se esquiva
meu coração

um moço
uns moços

as pessoas na fila do ônibus ou do pão.

pedras
em São João