sábado, 15 de setembro de 2012

Simples assim.


Menininho,
Com sua calça de flanela,
Só quer olhar pela janela,
E pelas ruas passear.

Pequenininho,
Mamãe tem que trabalhar,
Vovó tem que cozinhar,
Na mesinha do quintal foi se sentar.

Quietinho,
Ele se pôs a colorir,
Pros seus desenhos vai sorrir,
Nessa arte de não se importar.

Ser dudu.



Faz-se verdadeira vocação profética, um dom, e também uma sina nascer dudu. De fato, é algo que realmente se nasce sendo. Entretanto foi consumado quando lá pelos seus cinco anos, ainda de cabelos dourados e cacheadinhos, o pai lhe aparece em casa com dois lindos perequitinhos na gaiola. Um amarelo, o outro azul, de biquinhos duros e curtos, cruéis em bicadas. E foi olhando bem naqueles olhinhos pretos e serenos de pássaro engaiolado que tudo foi definido quando o pai perguntou: “Como esse vai chamar, Sarah?”, e aponto para um dos bichinhos. Refletiu rapidamente, pois em mente de criança não há complicação e indecisão, ou opções secundárias desnecessárias. Sabiamente escolheu, e assumiu sua sina: “É Dudu.” 

O pai entendeu primeiro que ela mesma, antes do resto do mundo: ela nascera dudu. Aquele modo sereno e decidido, não deixava sombra de dúvida: dudu era mais que o pássaro, dudu era ela. Ela teria que assumir a triste e bela sina de carregar em si o ser dudu, onde se cresce tropeçando em cada passo. Duvidando de tudo e acreditando em todos. 

Uma dudu sempre teima em assumir sua duduzisse. Falava com o pai, que insistia em chama-la assim: porque não pôs meu nome de Eduarda? Ainda assim, o certo seria chamar-me Duda, não é mesmo? Pobre coitada, não entendia que ser dudu pairava sobre a banalidade de simples apelido. Mas enfim, acaba por entender-se na pessoa dudu, quando vê todos sorrindo e não tem vontade de sorrir pelo mesmo motivo que eles. Quando os seus sorrisos são incompletos diante das alegrias, e suas tristezas aparentemente inexplicáveis. 

É típico de uma dudu ser completamente desatenta, desatada, atada demais em conceitos soltos para se justificar com plenitude ou se entender. Viver com a cabeça nas ideias por trás dos fatos e entendendo quase sempre que não dá para se entender. 

A confusão não é mera coincidência caro leitor, é a palavra de ordem dessa vida dudusolesca. Nunca se sabe das meias, das folhas de exercício, se os óculos estão na pia do banheiro ou no quarto, ou aonde se encontra aquela cosquinha do coração que vive fugindo ou dançando lá. A perda constante consiste também em perda e ganho de si mesma. Aquele pedaço bobo e egoísta que estava aqui ontem se perde e se dissipa, para que aquele nobre pedaço, vindo depois de um sorriso de criança ou flor florescida em meio à pedra, possa crescer. É uma confusão estruturada nas bases do novo, do incerto. Do eterno medo da vida, do passar por ela e esquecer-se de viver. 

Uma dudu vai sempre olhar um casal de mãos dadas e acha-los infantis, mas está sempre querendo segurar as mãos do mundo inteiro. É uma eterna caçadora de olhares, degustadora de sons de risada. Gosta de batons vermelhos e vestidos rodados, e de rodar nas nuvens ao olhar para o céu até ficar tonta. Ama o mundo com uma intensidade de não caber-se em si de alegria para logo em seguida sentir todas as dores dele, nela. E pensar: como vamos fazer? 

Dudus querem ser cacos de um vitral, como no livro da Adélia. Mas seus cacos são desconexos, são mal elaborados. Não parecem capazes de se unirem numa imagem bela, canônica, colorida. Trazem em si esse aspecto cortante, de quem quer fazer um belo bordado mas revira o tempo furando os dedos com a agulha, criando máculas de sangue no tecido. Cansativamente lava-o, tenta recomeçar aflita. Quer tentar, tentar. Mesmo sem saber como. 

A dudu vê um filme e percebe: há tantas pessoas tristes pelo mundo. Então acha seu sorriso egoísta. E mesmo que não achasse, já perde a vontade de sorrir.