sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Oxalá!






Oxalá é o Orixá criador do mundo e da espécie humana, sincretizado com Jesus Cristo, pode-se dizer que representa a santíssima trindade cultuada pela Igreja Católica.


Andam dizendo que sou dramática. Sou mesmo, o escândalo existencial em forma de gente. Não sei porque vocês disfarçam tanto, enquanto eu vejo todo mundo escorrendo pelos poros. Cada pessoa é um abismo prestes a ruir. Vão andando pelas ruas, conversando nos celulares, resolvendo o trabalho, tomando uma cerveja com riso baixo, vivendo de modo discreto, mas por dentro, somos todos explosão. Sorrindo, porque contra o sistema cruel que estabeleceram antes de nós, não há  nada que possa ser feito, apenas consentir e buscar uma graduação: biológica ou exata, de preferência. Só os artistas são felizes, com seus rios de escape artístico, enquanto  vamos nos entupindo de toda espécie de pílulas.

Não me excluo. Infinitas aftas atormentam minha língua, que anda escurecida pelo meu fígado ou estômago. E sim, farei drama, vou falar que estou morrendo pela língua, que é o fim do mundo, mãe pelo amor de Deus me busca, eu não aguento mais trabalho, quando escrevo a qualidade sai péssima, não vou fazer a unha porque não quero, eu só queria voltar para aula de canto. Deixa eu espernear minha vida sensacional, porque eu não quero pensar nas dores do mundo. Não sai da minha mente um menininho sujo de lama. Negro, de olhos enormes, segurando um ursinho ordinário e imundo na mão. Apavorado, perdido. Acho que ele existe, e está em algum lugar do mundo. Talvez em Mariana. Ou na Nigéria. Talvez, ele esteja abandonado em Divinópolis mesmo.


Meu grande desabafo: não sei lidar com nada disso. Não sei lidar com a obra-prima do Senhor pisoteada, com essa humanidade morrendo. Com gente de poder destruindo essa terra feita de igreja pedra e sonho, minha Minas Gerais, barroca como eu, tão cheia de vida. Deixa eu lamentar meu fígado amargo manchando minha língua, porque, não quero chorar por Mariana, este fel eu não suporto. Um rapaz de bicicleta passa em frente ao São Francisco e faz em-nome-do-pai. Essa igreja não merece sinal sacro, uma igreja para Francisco de Assis derramando ouro, ele se irrita, tenho certeza. Se bem que, não sei se Francisco é capaz de se irritar. À Exu quando dão motivo, fica bravo. Ossanha, Xangô, Oxóssi. Os orixás são santidades cheias de sangue e vida, de fascinante vigor.

Antes me enternecia ser católica, hoje sei que meu encanto vai além da minha religião: qualquer credo que misticamente queira salvar esta Terra perdida me envolve. Então vamos por favor declamar nossos credos enquanto agimos em favor deles. Visitemos os albergues, alimentemos as crianças, deixemos o moleque jogar. Sinto desesperadamente que preciso doar meu tempo e favor, e algo me formiga, dizendo que se caminhássemos neste rumos, não seríamos explosões contidas, e nossos caminhos quebrados poderiam se acertar. Vamos ser sensuais como Maria Padilha das Encruzilhadas, espertos como Oxóssi, ternos como Gandhi, misteriosos como o povo cigano. Acolhedores como Maria Santíssima, irreverentes como Zé Pilintra, conselheiros como Pai Seta Branca, e bondosos, como Cristo Jesus.


Mas por favor, vamos parar de ser miseráveis.
Não quero ser digerida pela lama do mundo.