sábado, 29 de junho de 2013

As desvantagens de ser visível.



Querido Charlie,

Eu queria lhe agradecer por ter escrito para mim. Suas palavras aqueceram meu coração, como há muito tempo ele não era aquecido.

Sabe, tenho pensado sobre todas as coisas que você disse, tenho pensado sobre me sentir infinita. Queria lhe agradecer por isso também, você deu um nome para o que eu sinto todas as vezes que vejo o céu multicor ao pôr-do-sol. As pessoas estão desesperadas, Charlie. Saem pelos lugares tateando com os olhos vendados, tentando tocar o amor. Elas abrem a boca para engoli-lo, movem os dedos freneticamente, mas sem enxergar nem a si mesmas não podem alcança-lo. O grande problema, é ele ser simples. Como quando um lápis cai mais próximo do pé da pessoa da carteira ao lado, e ela se abaixa para pegá-lo por você, ou quando uma folha se solta da árvore e cai. Eu não sei mais o que te dizer porque você me disse tudo. Só queria me sentar com você em algum lugar e observar as pessoas passarem. Uma menininha de cinco anos passaria com olhos inchados de chorar, a mãe a arrastando pela mão. Provavelmente porque não havia ganhado um doce, ou não queria ir embora para casa. Então, nós pensaríamos que um dia, aquela menininha seria a mãe, e arrastaria uma outra pequena criança pela mão. Antes disso, ela um dia não choraria mais por doces, e sim por garotos, e usaria sutiãs. Será que ela seria feliz? Talvez conseguisse um bom emprego. Talvez se casasse com um cara que a espancasse, e que nunca lhe dasse flores. 

Nesse exato momento, há milhares de pessoas sofrendo umas pelas outras pelo mundo afora. Há casais se beijando ou terminando relacionamentos de anos. Uma criança morre de fome, um idoso sofre a amargura do descaso. Um pai chora vendo o primeiro filho nascer. Uma senhora reza no escuro. Um time comemora vitória. Alguém se embebeda em um bar, o olhar longe de quem se esqueceu de viver. Os carros passam depressa pelas ruas, alguns ligam alto seus sons, antecipando a diversão que virá. Todos seguem indiferentes uns aos outros, sem saber que estão conectados. Pergunto a mim mesma se aflijo o pensamento de alguém. Se às vezes, quando me esqueço da vida, quando sinto as coisas vazias, ainda tem alguém pensando que existo. E tudo me parece uma rede, e tenho a sensação de já ter escrito isso. Parece-me que no meio dessas linhas ficam minhas sensações sem palavras, as que você trouxe à tona ao me escrever. Essas feitas de gente, cheiro, música e lugares.

Queria muito que continuasse a me escrever. No mais, só escrevi para dizer: muito obrigada.

Com amor, 

                                                                                                                          Sarah.

sábado, 22 de junho de 2013

Bianca.



Eu nunca vi olhos tão redondos.
nem pássaros à tinta que voassem,
nem pele assim tão de leite.
Em menina tão miúda não podia caber tanta víscera, tanta intensidade,
nem em olhos tão grandes poderia caber um universo tão desconhecido, inexploradamente seu.
Mas cabe.
Seu limite é como o dos pássaros: inexistente.
Passei só para lembra-la,
esse mundo é passarela só sua.
passarela de não passar. 

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fé lícita.


A fumaça é densa, os edifícios monstruosos parecem prestes a nos engolir. Barulhos metálicos, traças mentais. Informação, conexão, números, teclados frenéticos.

Caos. O avanço está nos assassinando. Lentamente, letalmente.

Cápsulas e pílulas, remédios para o físico corroem os aparelhos gástricos para salvar, mas as almas continuam a solver.

Transcender.

Quero fechar os meus olhos, quero rogar a uma Força maior que nos salve de nós mesmos, que nos perdoe pela confusão empoeirada feita em Seu mundo-jardim.

Vou rezar um credo pela redenção da humanidade-zumbi, esquecida que para além do corpo efêmero há uma alma eterna. Renascer, em decorrência da virtude hinduísta é o que anseio para nós, a vida plena pregada por Cristo. Encontro-me de rosto e joelhos no chão, não voltados para Meca, mas sim para um deus.

Grego, hindu ou cristão, apenas precisamos que seja misericordioso, pois milagrosos todos são.
Anseio repousar nos braços castos de Maria Santíssima ou nos belos e irresistíveis de Iemanjá. Busco um centro divino para minha vida, basta dessa correria desnorteada por obrigações gritantes e superficiais! 

Que os princípios religiosos, as virtudes pacíficas e superiores de noaao Deus possam reger minha existência medíocre. Amor puro, caridade, desprendimento, elevação.

Venham a mim, orixás dançantes! Vou rezar rosários para nos redimir. Fecho os olhos, encontro-me num mosteiro alto, Buda a me contar: o sentido da vida é apenas acreditar.


(Contribuições: Fernanda Sousa, Ana Furtado.)

domingo, 9 de junho de 2013

Domingo.



Um ventinho bobo, barulhinho de pássaro, minha mãe cantarola enquanto arruma o cabelo.
Paro meus deveres um pouco e vou ler Adélia no colchão que bate sol.
O moço que vende coisas de milho passa na rua, o carro lento, para atrair fregueses. 
Vai falando num alto falante abafado do carro: "mingau de milho, pamonha, suco de milho!"
E eu com tanta vontade de mingau de milho... desço as escadas disparada pra alcançar.
O vizinho do primeiro andar compra pamonhas, o carro estacionado na porta do prédio,
peço dois mingaus. 
Diz o vizinho: diz pra sua mãe que guardei um queijo pra ela, pergunta se ela vai querer.
Subo, e pauso um pouco pra viver: comer o mingau ouvindo as nuvens, sentada na minha cama,
observando minha rosa branca pendendo do copo azul na cômoda. Ela abriu, tá bonita de dar gosto.
O doce do mingau e o toque do vento, são o sabor e o carinho de Deus. Lembro-me de ser grata.
Obrigada, Senhor. Obrigada. 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Tempo de pipa.


É só rodopiar, em busca do que é belo e vulgar.


Nada, é impressão não. Somos essa coisa atoa mesmo. Só não somos mais bobos do que essa sua estranha mania de girar o laço do vestido entre os dedos. Para com isso, menina. Torcer o laço não é torcer a questão, então nem adianta desviar esses olhos pro enfeite da roupa. Se eu oferecer um algodão doce, você olha pra mim? E se eu disser que sou um pedaço de nuvem, prestes a solver? Aí cê me olharia, eu sei. Olha, que sou nuvem é mentira, mas saiba que o que temos derrete no ar, facilmente. Se eu fosse você, aproveitava para encontrar meus olhos com os teus, antes do líquido. O líquido nunca tem a graça desse vapor, e acaba por desaparecer por completo. Você sabe, Lavoisier não vale pra essas coisas. 

Os dedos de unhas rosadas passando pelos cabelos, esses cílios oscilantes e longos, o apertar dos lábios, a forma de andar parecendo que vai cair a qualquer momento, fazendo a gente prender o fôlego na expectativa de te segurar, a voz macia... Você sabe que é mais culpada que eu. Para de desviar esses olhos, joga pro alto essa confusão. Que fosse menos inconsequente, mocinha. Agora, você não vai a lugar nenhum. Não mesmo. 

Medo não combina com isso, pequena. Eu só quero sentar bem ali, debaixo daquela árvore sob a sombra, ouvir uns passarinhos, te dar um algodão doce e ouvir você xingar, falando que é um absurdo alguém comprar açúcar em forma de nuvem. Eu sei que não é por isso. É porque você lembra que a gente também derrete na boca e acaba, junto com o doce. O palito - esqueleto infértil da história toda - a gente joga fora. Segurar-se nos restos não serve pra nada mesmo.

A propósito, agradeço pelo botão pregado na minha camisa, era uma dó não poder usá-la. É por isso que eu digo, cê finge que não, mas sabe que é adorável, que é como uma pétala. Só tive a sensação de que outra coisa foi pregada em mim, veio junto com o novo botão da camisa. Não, eu não me importo se você esquentar os pés gelados em mim, nem de você gostar de ficar em silêncio. Só fique por perto, gosto de te sentir respirar. É bom quando você existe assim bem baixinho, perto de mim.

O que você é, enfim? O que você quer, enfim? Querida, não temos motivos ou razões, não percebeu ainda? Cê fica chata com perguntas. Cante-me com suas afirmações, que são muito mais aconchegantes. Fala sobre os gatos, sobre copos-de-leite, sobre o quanto gostou daquele laço de cabelo que lhe dei. Vem, vou fazer umas pipocas, faz um brigadeiro para nós. Daqueles seus, que, pelas exageradas colheres de chocolate usadas  ficam puxa-puxa, estalando nos dentes. Só para me provar que seu gosto pode ser ainda melhor. 

Suas mãos estão sempre geladas, meus dedos sempre machucados de dedilhar violão. Gosto de como você sorri com os olhos. Essa sua risada debochada não descomplica esses nós que formaram nossos dedos entrelaçados. É... agora é uma boa hora para se ter medo. Isso é patético, você diz, e isso não me ofende. É apenas sua defesa de camaleoa se aflorando. 

Por qualquer palavra, por qualquer sorriso, por qualquer cheiro que lhe dou... vem você com essa risada solta, que é um dos sons mais gostosos desse mundo. Também acho isso uma bobiça sem fim. Mas fazer o quê, as coisas bobas são sempre as melhores, sempre as mais soltas, mais absurdas e tolas...

Faz um tempo já, eu sei. Mas é bom ir te soltando aos poucos, cortar as asas pena por pena, pra você entender que é hora de eu ir. Sei que você ama beijos na testa, mas desse sei que não vai gostar. Não gostar vai ser um sentimento um pouco constante agora, a respeito das coisas. Fazer o quê... no início você oscilou porque sabia que era assim, tive que insistir. Alguém precisava te ensinar a valorizar algodão doce e a empinar pipas. 

As coisas se encerram quando estamos flutuando. Sabe a sensação de achar que guardamos um biscoito mas descobrir que alguém pegou e só ficou o pacote? É...

Mas de repente, as folhas de outono rodopiam no chão. Passa o caminhão de gás. Lembro de cê contar que tinha medo quando criança, diz que já viu um estourar...

Deixei um bilhete, com aquele perfume que cê gosta borrifado e uma trufa de cereja. Estava lembrando do seu jeito engraçado de me abraçar pisando nos meus pés. Sei lá...


Esse texto foi inspirado na música Tempo de Pipa do cantor Cícero, e em algumas outras músicas do seu álbum. Não conhece o Cícero ainda? Assiste aí: https://goo.gl/W2wgPY