Querido Charlie,
Eu queria lhe agradecer por ter escrito para mim. Suas palavras aqueceram meu coração, como há muito tempo ele não era aquecido.
Sabe, tenho pensado sobre todas as coisas que você disse, tenho pensado sobre me sentir infinita. Queria lhe agradecer por isso também, você deu um nome para o que eu sinto todas as vezes que vejo o céu multicor ao pôr-do-sol. As pessoas estão desesperadas, Charlie. Saem pelos lugares tateando com os olhos vendados, tentando tocar o amor. Elas abrem a boca para engoli-lo, movem os dedos freneticamente, mas sem enxergar nem a si mesmas não podem alcança-lo. O grande problema, é ele ser simples. Como quando um lápis cai mais próximo do pé da pessoa da carteira ao lado, e ela se abaixa para pegá-lo por você, ou quando uma folha se solta da árvore e cai. Eu não sei mais o que te dizer porque você me disse tudo. Só queria me sentar com você em algum lugar e observar as pessoas passarem. Uma menininha de cinco anos passaria com olhos inchados de chorar, a mãe a arrastando pela mão. Provavelmente porque não havia ganhado um doce, ou não queria ir embora para casa. Então, nós pensaríamos que um dia, aquela menininha seria a mãe, e arrastaria uma outra pequena criança pela mão. Antes disso, ela um dia não choraria mais por doces, e sim por garotos, e usaria sutiãs. Será que ela seria feliz? Talvez conseguisse um bom emprego. Talvez se casasse com um cara que a espancasse, e que nunca lhe dasse flores.
Nesse exato momento, há milhares de pessoas sofrendo umas pelas outras pelo mundo afora. Há casais se beijando ou terminando relacionamentos de anos. Uma criança morre de fome, um idoso sofre a amargura do descaso. Um pai chora vendo o primeiro filho nascer. Uma senhora reza no escuro. Um time comemora vitória. Alguém se embebeda em um bar, o olhar longe de quem se esqueceu de viver. Os carros passam depressa pelas ruas, alguns ligam alto seus sons, antecipando a diversão que virá. Todos seguem indiferentes uns aos outros, sem saber que estão conectados. Pergunto a mim mesma se aflijo o pensamento de alguém. Se às vezes, quando me esqueço da vida, quando sinto as coisas vazias, ainda tem alguém pensando que existo. E tudo me parece uma rede, e tenho a sensação de já ter escrito isso. Parece-me que no meio dessas linhas ficam minhas sensações sem palavras, as que você trouxe à tona ao me escrever. Essas feitas de gente, cheiro, música e lugares.
Queria muito que continuasse a me escrever. No mais, só escrevi para dizer: muito obrigada.
Com amor,
Sarah.