sábado, 21 de dezembro de 2013

mas que poema absurdo, gente

queria ser uma cereja.
esperava que quem a mastigasse,
o fizesse com paixão.

tinha olhos grandes demais pra ser má,
e quadris cheios demais pra ser boa.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Acorde sol.


 "É que a partir de hoje,
a confusão do tempo,
a cobrança da hora,
o coração na esmola"

É, gente. Nunca pensei que as notas soando no violão do Conrado pudessem ser tão dolorosas. Ouvi-las me transporta àquele corredor, uma da tarde, mais ou menos. O sol no meio do céu,uma preguiça boa, um violão, uns amigos... cada nota torna-se uma flecha no peito, quando se percebe que essa cena não se repetirá mais.

Não vamos mais ouvir Dias de Truta no meio do corredor, nem correr para não pegar fila para o almoço, comemorar quando é peixe e reclamar da carne moída. Não vamos ouvir uma boa filosofia do Rayner, nem brincar com a pretinha. Não vamos vigiar mais os jogos do flamengo para atormentar o Miguel, nem jogar conversa fora no corredor durante os intervalos. Não teremos mais calouros, ou pré-calouros para chamar de burro. Passaram-se as fases de estudar desesperadamente para somativa, de estudar mais ou menos para somativa, e a de dar um mala para somativa. Ir na outra sala perguntar da prova, deitar no colo de alguém no corredor,pedir calculadora científica emprestada, medir dinheiro em "almoços", implorar paçocas... 

Pensar que foram três anos me parece muito irreal. Ontem, éramos pirralhos medrosos, apavorados com nossos veteranos tocando um terror que nem existia realmente. A sensação era de estar em cima de uma corda bamba. Com quinze anos ainda se é uma criança despreparada, e de repente, nos lançaram numa liberdade impensada em outras escolas, mas numa rotina frenética também desconhecida.Deram-nos asas sem ensinar a voar. 

Foi difícil.A gente nem sabia quem era, ou o que queria ser. Vocês choraram? Eu chorei. Alguns desistiram.Aprender a voar sozinho não é fácil, mas sem dúvida gratificante. Ao longo desse tempo, nos construímos e reconstruímos.Sensações foram dispertas, descobertas foram feitas.Ralamos os joelhos, rimos, choramos, sofremos, aprendemos... Crescemos.

Apavorados com veteranos, apavorados com somativa, apavorados com vestibular, e finalmente, apavorados com a vida. Afinal de contas, o que acontece agora? Não vamos mais acordar às seis reclamando da aula até às cinco e meia da tarde, e ter como preocupação principal os trabalhos e provas.É hora de construir um futuro, entrar em um novo ciclo.

Começar tal ciclo implica finalizar o anterior. E fins, são inevitavelmente dolorosos. 

Se eu não tivesse a confiança num futuro no qual vocês estarão presentes de outras maneiras, essa despedida seria insuportável.A beleza dos laços que construímos não cabe nas minhas palavras.Nunca pensei que pudesse conviver com pessoas tão únicas. Sim, essa é a palavra que melhor define cada um de vocês. A gente se acostuma tanto com as pessoas-padrão que encontramos por aí, o mundo anda tedioso de tanta igualdade! Conviver com vocês é um privilégio nesse sentido, obrigada por não seguirem a lógica! 

O que há em mim além dessa saudade antecipada de tudo o que vivemos, é um agradecimento enorme. Foi um privilégio conhecê-los e poder me construir junto com vocês. Cada conversa de corredor, cada piada idiota, cada um de vocês, estão para sempre gravados no meu coração.

Acho que podemos afirmar que já provamos um pouco do amargo e do doce da vida nesse tempo. Agora,é hora de deixar as lágrimas escorrerem com um sorriso grato no rosto. Hora de pisar terreno incerto mais uma vez, certos de que nossa ligação não se romperá apesar da distância. Descobrir um pouco mais da dureza e do incrível da vida, engolindo seco o medo e a insegurança da fase. Sobreviveremos, amigos. Sobrevivemos ao Cefet! 

E quando a gente se esbarrar por aí,mesmo que completamente reformulados pela novidade constante da vida, eu tenho a certeza de um abraço apertado, de um sorriso sincero, e de um brilho vívido nos olhos que se recordam da lembrança de um tempo bonito demais para ser esquecido.

Muito obrigada, queridos. Por tudo. Desejo a vocês os amores mais autênticos, as sensações mais intensas, as risadas mais barulhentas, as mais lindas filosofias e uma loucura constante. Não nos restam muitas opções.  É só deixar a fé da boa vida cuidar de nós.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

desconsiderável

Muito me agradam
 Teresa, Francisco e Antônio.
Nos nomes já gritam
 neste mundo viemos ser altos,
mas de tão grande altura,
que se revelará na pequenez.

Gosto que me contem de mim 
coisas que são tão óbvias 
que não posso enxergar.

Acho mais bonito:
noiva correndo do altar, 
do que beijo de fim de casamento.
A maquiagem profissionalmente feita
 solvendo,
quilos de pano
 branco e caro 
voando para longe do altar.
Pra mim,
trágico é sinônimo de belo.

No mundo,
 só Adélia
 me entende,
me completa
 e me consome.

Só Deus me bate,
me ama,
me acolhe
 e me angustia
nas devidas proporções.

Crises alérgicas me levam à escrever,
já pensei ter alergia da vida

às vezes abro a Bíblia
e beijo,
 devoro,
leio,
amo.
Às vezes penso,
o que é isso, meu Deus?
 Meu? Deus?
o que será que acontece na Oceania,
que nunca falamos sobre?

em mim cabem todas elas:
Lola,
 Duda,
 Teresa,
 Adélia,
Sarinha,
Helena
 e Dudu,
e se não for petulância demais,
Maria.


terça-feira, 15 de outubro de 2013

O bilhete que não estava no pote.


gosto da ideia de ser um abismo
e da ideia de pular em abismos.
que nosso solstício de inverno,
se torne um solstício de verão.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Parnasiana.


Não sou poetisa. 
Sou mera escrava escrivã
aprisionada ao delicioso dever
de transcrever a poesia
que é
vocês. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Sobre os medos, e outras coisas menos.

A frase "A existência é um fardo" não me sai da cabeça, e abomina-me pensar que eu a pensei.
Hoje eu descia pelas ruas do centro sentindo na pele um calor abafado, no ar um cheio de mato urbano.
As pessoas transitavam em direções variadas, focadas em diferentes objetivos, sem se lembrarem que estão todas no mesmo barco, este barco chamado Terra, no qual a carranca é uma grande interrogação. 
Ocorreu-me de repente uma ideia: estamos no útero de Deus, e somos paridos na morte. Nascemos quando morremos. 

Entendo as pessoas com insônia: é o que acontece quando você se deita na cama, e sente a escuridão do quarto crescer à sua volta. Uma solidão incompreendida invade-lhe a alma e sente-se que a solidão e o escuro se fundem num monstro, que irá  lhe engolir se dormir. São nessas noites que fecho os olhos e penso repetidamente: "Quero sonhar, quero sonhar, quero sonhar". Nunca sonho. São nessas noites que penso no meu medo da chuva e também  na minha necessidade dela. Acho monstruoso que as pessoas se escondam da chuva, ela que vem com as melhores intenções: lavar, refrescar, renovar, fertilizar. 

Mas nada disso importa. Aprendi a descascar laranjas.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Peso do ser é sustentável.


A existência é um fardo. 
Ninguém nos pergunta se queremos habitar por nove meses um lugar umidamente escuro e fechado, e antes mesmo de possuirmos consciência do que somos, já deram-nos um nome, já agregaram-nos diversos valores e construíram sobre nós uma infinidade de laços nos quais não tivemos participação. 

A partir da abertura dos olhos, do choro, da respiração, estamos suscetíveis a todas variáveis do ambiente, e todos os seus elementos entranham-se em nós, seja consciente ou inconscientemente. Ensinam-nos coisas como se rotulassem objetos necessitados de identificação: assim se come, assim se anda, assim se veste. Sorria, respeite, não seja agressivo. Corresponda a sorrisos e a sentimentos. Temos o hábito de gostar de quem gosta de nós, de respeitar os mais velhos, de abaixar as tampas dos sanitários depois de utilizá-los. Concedem-nos um amplo leque de instruções que não encerram em si um fim específico, uma significância que justifique que tenham nos trazido à existência. 

Nada justifica a existência, não nos perguntam se queremos habitá-la porque essa possibilidade não existe. Sua justificativa só existe a partir da sua não-justificativa: passamos a vida inteira tentando torná-la plausível, objetivando por suspirar, ao final: "Nada foi em vão, minha vida valeu apena".

Na desesperada corrida pelos motivos, deparamo-nos com o kitsch. O termo é alemão, é significa o valor que atribuímos a algo, que não é necessariamente o conteúdo verídico daquilo. Usualmente é empregado nos estudos de estética para designar uma categoria de objetos vulgares, baratos, de mau gosto, sentimentais, que copiam referências da cultura erudita sem critério e sem atingirem o nível de qualidade de seus modelos, e que se destinam ao consumo de massa. Embora o kitsch apresente a si mesmo como "profundo", "artístico", "importante" ou "emocionante", raramente estes qualificativos são adquiridos por características intrínsecas ao objeto, antes derivam de associações externas que seu público estabelece. Em síntese, os kitsch's são os ideais supérfluos que aderimos para justificar nossa complexa existência. Há o kitsch comunista, católico, protestante, feminista, judeu, entre milhares de outros. 

Geralmente os kitsch's preenchem lacunas sentimentais, vingam-se de situações, acobertam traumas, proporcionam conforto e equilíbrio. Entretanto são falsos, pois carregam em si a superficialidade dos conceitos que defendem, muito mais seu simbolismo e aparência do que a essência redentora. 

A essência. 
Os kitsch's de uma forma geral, anseiam conduzir à esta essência. Entretanto, nos perdemos entre seus preceitos. A essência é complexa demais e intraduzível por qualquer tipo de segmento, por mais que estes não poupem esforços para construir uma estrada até ela. Ela encontra-se dentro de cada ser, e apenas uma sensibilidade apuradíssima poderá percebê-la, a mesma que percebe ondulações sobre as águas, timbres dos pássaros e das risadas, e o movimento descrito por um folha ao cair. 

A justificativa existe e é real. Dispensa qualquer outra divagação a respeito da existência, a torna sustentável, quase leve.

Não deve ser questionada, pois somente quem a compreende, sente em seus efeitos a veracidade que contém em si. 
Existimos para os outros. Os outros, existem para nós. 

sábado, 7 de setembro de 2013

trouxe os lírios, josé?, disse Abgail

como assim ninguém me trouxe um lírio?
gosto de escrever no escuro porque é nele que as coisas me vêm
no escuro não vejo minha jarra vazia,
vazia, porque não me trouxeram lírios.
Talvez eles fossem felizes no jardim,
Mas e a mim?
Vazia, 
vazia.
jardim jaz josé.
Seus olhos não brilham mais.
os pés não o trazem mais ao meu portão.
suas mãos,não buscam, não me querem, eu te quero
mas um corpo sem sangue não deseja outro corpo
 e sobre os lírios que o cobrem sobre a terra, 
as pessoas pisam.
Me espera, vou com você. Não importa quantas flechas carrego no peito.
Alecrim. 



Douglas Oliveira e Sarah Rodrigues.

O menino que tinha pouco sono e muita prosa.

Amados,
vamos embora? Eles e elas têm que ficar, vamos só nós.
Pois sim, tenho vontade de voar.
E penso,
no vento,
no frio,
na alma,
na dança.

preciso só tirar o excesso de cabelo,
o excesso de vocês,
o excesso de desmazelo,

pra ser leve o suficiente para flutuar,
preciso tirar esse grito do peito.

Rodemos no ar com os silfos,
no fogo com as salamandras,
na terra com os duendes,
um elfo fará rodar meu coração.
na sua mão.
na sua mão.

Cansei de ter pouco tato e muita pele.



(poema muito mais do Douglas do que meu)


Doces para Alba.



Estou levando doces para Alba.
Na cesta,
brigadeiros, paçocas roubadas, balas de caramelo,
um baú de histórias recortadas,
e todos os sorrisos despreocupados que ela nos roubou.

Estou costurando um balão para ela,
para que derrame sua graça no ar,
encante com seus trejeitos os pássaros
e compartilhe seu brilho com as estrelas.

Nunca a vi com uma roupa escura.
Só uma saia preta,
mas as flores vermelho vibrante da estampa gritavam,
“esta saia pertence à Alba”.
suas roupas sintonizam-se com a alma:
clara, iluminada, leve
de quase voar para longe do corpo.
Mas não voa.
Pois o corpo diz:
"quero-lhe, alma de Alba,
para dar-lhe a graça de desfrutar dessa comunhão
que somos ambos,
corpo & alma.”
A ela, que diz:
“De-li-ci-nha!”

Delicinha é poder lhe levar essa cesta de doces,
na qual vão pedacinhos de corações,
um consideravelmente grande do meu.

Estou levando uma cesta de doces para Alba,
mas quando volto, é minha alma que se encontra açucarada,
pelo encontro com tão singular insanidade sã.

Eu dissertaria sobre sua importância nas vidas pelas quais passa, Alba.
Mas aqui se encontra uma singela poesia
para cobri-la de flores e dar-lhe o melhor doce,
que é o das palavras sinceras.

Dedico-a a você,
que é poesia completa,
e assim como Drummond e Adélia,

mereceu comentários angelicais ao nascer.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A menina com o copo d'água.




Ela quer descansar.
quer tirar os sapatos, as lentes, as pessoas e os lugares.
Não suporta mais sentir.
cada vez que pulsa o coração, sente como se vidro estilhaçado percorresse suas veias.
Não reage à estímulos. Não consegue olha para cima porque seus olhos estão cansados.
perdeu mais que a fé, perdeu a força para tê-la.

Deram-na um copo d'água. Ela não entendeu.

Não dava para se afogar nele.

sábado, 24 de agosto de 2013

Cícero.


Vou me casar com Cícero. De forma trágica, bela, finita, mágica e doce. Nosso amor terá a insustentável leveza do ser e existir, torturará ainda mais minhas vísceras retorcidas para depois aliviá-las e deixar o sangue fluir com naturalidade. Ele não me amará facilmente, preciso sofrer por Cícero, minha devoção precisa da dor. O céu precisa estar engarrafado, acinzentado, pesado de nuvens, num meio-dia gasto. Ele se vira para ir e o cinza do céu parece sobrepor com mais intensidade todo o verde das árvores e relva do parque. Eu aperto sua mão, suplicante, o faço voltar. Preciso estar vestida de laranja, um vestido bem rodado, um laranja que o lembre as faixas estampadas de um balão, que o faça querer voar comigo. “Fica”, eu vou pedir, “fica, fica, fica”, um coro de elementais do ar presentes no vento unem-se a minha súplica, “fica, fica, fica”, minhas vísceras se ressecam, “fica, fica, fica, menino”. O que você quer de mim?, é o que ele diz. Não respondo com palavras, só com meus olhos, que são o que tenho de melhor. O que quero? Mais que esses olhos poeticamente caídos ou esses cachos castanhos, quero sua essência, quero absorvê-la até sê-la. Ouvir as batidas desse coração musical, até essa música ressoar em mim, que tenho sido uma caixa oca, e assim, talvez, eu mereça comentários angelicais a meu respeito. Sempre quis ser uma pessoa poética, você naturalmente é. Vou roubar essa poesia de você, menino, vou estreitar esses dez anos até parecer que nascemos ao mesmo tempo, que o mesmo coro de anjos nos coroou e que eu também mereci uma coroa de observações.

As únicas coisas destacantes no parque: meu vestido, o verde da relva, o incolor vento, o som dos silfos, seus olhos caídos. O resto é cinza. Até você dizer que fica. Ainda só com os olhos, digo: fique mesmo, e fique com meu coração também, porque ele me cansa. Pisco algumas vezes e deixo uma lágrima cair, para você entender que não estou oferecendo meu coração, estou obrigando-lhe a o engolir. A culpa é sua, que diz frases lindas como "vamos onde ventar, menina". 

Dedilharemos um violão, degustaremos um disco de Tom, vou roubar-lhe as camisetas de banda. Nos dias quentes farei um suco gelado de pitanga, quase anestésico. Ele entenderá o fato de que para mim, cereja é mais que uma fruta, é uma sensação que estala entre os dentes, que faz arder a alma. Ele entenderá que se eu pudesse, seria uma cereja. Farei questão de manter seu cabelo constantemente bagunçado, de chorar em sua presença, de andar descalça pela casa, de demolir meus excessivos muros. Incapaz de me apaixonar, declararei todos os dias, "Cícero, estou apaixonada por você." Se possível até soletrarei, e quem me conheceu desconfiará que eu nunca tive um trágico medo.



Gira mundo cão, e traga-o até mim, porque já passamos da sexta.Não posso sobreviver a mais um domingo sem ele.

O vento leva as folhas, os confetes, os sonhos, as gotas d'água, os balões. Vamos nos casar num balão, eu e Cícero. Seremos os mais felizes noivos, os mais efêmeros noivos, testemunhas da nossa própria redenção e ruína. Meu vestido pode possuir qualquer preço, qualquer textura, só precisa esvoaçar. Quero quilos de tecido plainando para fora do balão. Enquanto Cícero consome de uma vez por todas meus olhos assustados com os seus caídos, alguém aqui em baixo verá o balão multicor que voa, o tecido branco flutuando longamente, e então entenderá que nunca poderá ser feliz. Porque não é Cícero, nem eu. 

Ninguém é Cícero.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A prece suplicante.

Pai,
quero ser Adélia,
quero ver o sagrado
e o profano das coisas,
como Fênix quero renascer,
e que dessa vez
algum anjo faça uma observação.
acolhe a súplica ó Pai,
ó, dai
dai Adélia para mim.
dai adélia desejo adoecer.

Pluminhas.

Quem ama diz:
algodão doce é
açúcar em pluminhas.

e eu aqui,
dizendo que é açúcar em nuvem.

É porque não sei amar,
nem tirar as cutículas das unhas.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Junia, te dou um poema de conclusões pacíficas.


















     Uma menina e seu pirulito.
corujas piscam e piam.
vento no catavento.
multicor é palavra que explode
e tem gosto de bolo de festa.
vó faz geleia de morango,
mãe faz almoço,
amigo faz brigadeiro,
música faz sonhos.

barulho de chaves batendo é bom,
de xilofone de brinquedo é bom,
de mensagem chegando é bom,
de beijo na testa é bom,
de gente falando "fica com Deus" é som muito bom!

bom.
beber água com sede,
sentar com dor nas pernas,
fazer xixi quando se está apertado,
sentir.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

cansei de intitular minha falta de sentido.

Não quero ver sangue,
para quem eu devolvo essas vísceras?
desculpem o transtorno,
mas muito não pode ser esperado
de quem joga papel fora pra desembolar a vida.

mas minha vida desembaraça-se é com coisas miúdas.
tesoura e cola.
um corte novo de cabelo.
quiçá uma unha bem pintada,
que me esconda o desmazelo.
rimei só pra iludir-me de ter ritmo,
justo com esse  maldito fim,
elo.

a vida da cidade gira em torno da Catedral.

Tem uma cicatriz no meu tornozelo que é sua,
o resto é o que não quer ser.

eu vou é correr pra Deus, que é só Ele que nessa existência,
sabe como me pegar no colo.









quarta-feira, 10 de julho de 2013

rascunho.

pés, os tenho no lugar das mãos.
eu arrumo casa e ouço música,
escrevo e ouço música,
eu entristeço e a música me ouve.

preciso é das coisas calmas,
que tenho coração fraco,
fraco de quase parar de bater.

sábado, 29 de junho de 2013

As desvantagens de ser visível.



Querido Charlie,

Eu queria lhe agradecer por ter escrito para mim. Suas palavras aqueceram meu coração, como há muito tempo ele não era aquecido.

Sabe, tenho pensado sobre todas as coisas que você disse, tenho pensado sobre me sentir infinita. Queria lhe agradecer por isso também, você deu um nome para o que eu sinto todas as vezes que vejo o céu multicor ao pôr-do-sol. As pessoas estão desesperadas, Charlie. Saem pelos lugares tateando com os olhos vendados, tentando tocar o amor. Elas abrem a boca para engoli-lo, movem os dedos freneticamente, mas sem enxergar nem a si mesmas não podem alcança-lo. O grande problema, é ele ser simples. Como quando um lápis cai mais próximo do pé da pessoa da carteira ao lado, e ela se abaixa para pegá-lo por você, ou quando uma folha se solta da árvore e cai. Eu não sei mais o que te dizer porque você me disse tudo. Só queria me sentar com você em algum lugar e observar as pessoas passarem. Uma menininha de cinco anos passaria com olhos inchados de chorar, a mãe a arrastando pela mão. Provavelmente porque não havia ganhado um doce, ou não queria ir embora para casa. Então, nós pensaríamos que um dia, aquela menininha seria a mãe, e arrastaria uma outra pequena criança pela mão. Antes disso, ela um dia não choraria mais por doces, e sim por garotos, e usaria sutiãs. Será que ela seria feliz? Talvez conseguisse um bom emprego. Talvez se casasse com um cara que a espancasse, e que nunca lhe dasse flores. 

Nesse exato momento, há milhares de pessoas sofrendo umas pelas outras pelo mundo afora. Há casais se beijando ou terminando relacionamentos de anos. Uma criança morre de fome, um idoso sofre a amargura do descaso. Um pai chora vendo o primeiro filho nascer. Uma senhora reza no escuro. Um time comemora vitória. Alguém se embebeda em um bar, o olhar longe de quem se esqueceu de viver. Os carros passam depressa pelas ruas, alguns ligam alto seus sons, antecipando a diversão que virá. Todos seguem indiferentes uns aos outros, sem saber que estão conectados. Pergunto a mim mesma se aflijo o pensamento de alguém. Se às vezes, quando me esqueço da vida, quando sinto as coisas vazias, ainda tem alguém pensando que existo. E tudo me parece uma rede, e tenho a sensação de já ter escrito isso. Parece-me que no meio dessas linhas ficam minhas sensações sem palavras, as que você trouxe à tona ao me escrever. Essas feitas de gente, cheiro, música e lugares.

Queria muito que continuasse a me escrever. No mais, só escrevi para dizer: muito obrigada.

Com amor, 

                                                                                                                          Sarah.

sábado, 22 de junho de 2013

Bianca.



Eu nunca vi olhos tão redondos.
nem pássaros à tinta que voassem,
nem pele assim tão de leite.
Em menina tão miúda não podia caber tanta víscera, tanta intensidade,
nem em olhos tão grandes poderia caber um universo tão desconhecido, inexploradamente seu.
Mas cabe.
Seu limite é como o dos pássaros: inexistente.
Passei só para lembra-la,
esse mundo é passarela só sua.
passarela de não passar. 

terça-feira, 18 de junho de 2013

Fé lícita.


A fumaça é densa, os edifícios monstruosos parecem prestes a nos engolir. Barulhos metálicos, traças mentais. Informação, conexão, números, teclados frenéticos.

Caos. O avanço está nos assassinando. Lentamente, letalmente.

Cápsulas e pílulas, remédios para o físico corroem os aparelhos gástricos para salvar, mas as almas continuam a solver.

Transcender.

Quero fechar os meus olhos, quero rogar a uma Força maior que nos salve de nós mesmos, que nos perdoe pela confusão empoeirada feita em Seu mundo-jardim.

Vou rezar um credo pela redenção da humanidade-zumbi, esquecida que para além do corpo efêmero há uma alma eterna. Renascer, em decorrência da virtude hinduísta é o que anseio para nós, a vida plena pregada por Cristo. Encontro-me de rosto e joelhos no chão, não voltados para Meca, mas sim para um deus.

Grego, hindu ou cristão, apenas precisamos que seja misericordioso, pois milagrosos todos são.
Anseio repousar nos braços castos de Maria Santíssima ou nos belos e irresistíveis de Iemanjá. Busco um centro divino para minha vida, basta dessa correria desnorteada por obrigações gritantes e superficiais! 

Que os princípios religiosos, as virtudes pacíficas e superiores de noaao Deus possam reger minha existência medíocre. Amor puro, caridade, desprendimento, elevação.

Venham a mim, orixás dançantes! Vou rezar rosários para nos redimir. Fecho os olhos, encontro-me num mosteiro alto, Buda a me contar: o sentido da vida é apenas acreditar.


(Contribuições: Fernanda Sousa, Ana Furtado.)

domingo, 9 de junho de 2013

Domingo.



Um ventinho bobo, barulhinho de pássaro, minha mãe cantarola enquanto arruma o cabelo.
Paro meus deveres um pouco e vou ler Adélia no colchão que bate sol.
O moço que vende coisas de milho passa na rua, o carro lento, para atrair fregueses. 
Vai falando num alto falante abafado do carro: "mingau de milho, pamonha, suco de milho!"
E eu com tanta vontade de mingau de milho... desço as escadas disparada pra alcançar.
O vizinho do primeiro andar compra pamonhas, o carro estacionado na porta do prédio,
peço dois mingaus. 
Diz o vizinho: diz pra sua mãe que guardei um queijo pra ela, pergunta se ela vai querer.
Subo, e pauso um pouco pra viver: comer o mingau ouvindo as nuvens, sentada na minha cama,
observando minha rosa branca pendendo do copo azul na cômoda. Ela abriu, tá bonita de dar gosto.
O doce do mingau e o toque do vento, são o sabor e o carinho de Deus. Lembro-me de ser grata.
Obrigada, Senhor. Obrigada. 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Tempo de pipa.


É só rodopiar, em busca do que é belo e vulgar.


Nada, é impressão não. Somos essa coisa atoa mesmo. Só não somos mais bobos do que essa sua estranha mania de girar o laço do vestido entre os dedos. Para com isso, menina. Torcer o laço não é torcer a questão, então nem adianta desviar esses olhos pro enfeite da roupa. Se eu oferecer um algodão doce, você olha pra mim? E se eu disser que sou um pedaço de nuvem, prestes a solver? Aí cê me olharia, eu sei. Olha, que sou nuvem é mentira, mas saiba que o que temos derrete no ar, facilmente. Se eu fosse você, aproveitava para encontrar meus olhos com os teus, antes do líquido. O líquido nunca tem a graça desse vapor, e acaba por desaparecer por completo. Você sabe, Lavoisier não vale pra essas coisas. 

Os dedos de unhas rosadas passando pelos cabelos, esses cílios oscilantes e longos, o apertar dos lábios, a forma de andar parecendo que vai cair a qualquer momento, fazendo a gente prender o fôlego na expectativa de te segurar, a voz macia... Você sabe que é mais culpada que eu. Para de desviar esses olhos, joga pro alto essa confusão. Que fosse menos inconsequente, mocinha. Agora, você não vai a lugar nenhum. Não mesmo. 

Medo não combina com isso, pequena. Eu só quero sentar bem ali, debaixo daquela árvore sob a sombra, ouvir uns passarinhos, te dar um algodão doce e ouvir você xingar, falando que é um absurdo alguém comprar açúcar em forma de nuvem. Eu sei que não é por isso. É porque você lembra que a gente também derrete na boca e acaba, junto com o doce. O palito - esqueleto infértil da história toda - a gente joga fora. Segurar-se nos restos não serve pra nada mesmo.

A propósito, agradeço pelo botão pregado na minha camisa, era uma dó não poder usá-la. É por isso que eu digo, cê finge que não, mas sabe que é adorável, que é como uma pétala. Só tive a sensação de que outra coisa foi pregada em mim, veio junto com o novo botão da camisa. Não, eu não me importo se você esquentar os pés gelados em mim, nem de você gostar de ficar em silêncio. Só fique por perto, gosto de te sentir respirar. É bom quando você existe assim bem baixinho, perto de mim.

O que você é, enfim? O que você quer, enfim? Querida, não temos motivos ou razões, não percebeu ainda? Cê fica chata com perguntas. Cante-me com suas afirmações, que são muito mais aconchegantes. Fala sobre os gatos, sobre copos-de-leite, sobre o quanto gostou daquele laço de cabelo que lhe dei. Vem, vou fazer umas pipocas, faz um brigadeiro para nós. Daqueles seus, que, pelas exageradas colheres de chocolate usadas  ficam puxa-puxa, estalando nos dentes. Só para me provar que seu gosto pode ser ainda melhor. 

Suas mãos estão sempre geladas, meus dedos sempre machucados de dedilhar violão. Gosto de como você sorri com os olhos. Essa sua risada debochada não descomplica esses nós que formaram nossos dedos entrelaçados. É... agora é uma boa hora para se ter medo. Isso é patético, você diz, e isso não me ofende. É apenas sua defesa de camaleoa se aflorando. 

Por qualquer palavra, por qualquer sorriso, por qualquer cheiro que lhe dou... vem você com essa risada solta, que é um dos sons mais gostosos desse mundo. Também acho isso uma bobiça sem fim. Mas fazer o quê, as coisas bobas são sempre as melhores, sempre as mais soltas, mais absurdas e tolas...

Faz um tempo já, eu sei. Mas é bom ir te soltando aos poucos, cortar as asas pena por pena, pra você entender que é hora de eu ir. Sei que você ama beijos na testa, mas desse sei que não vai gostar. Não gostar vai ser um sentimento um pouco constante agora, a respeito das coisas. Fazer o quê... no início você oscilou porque sabia que era assim, tive que insistir. Alguém precisava te ensinar a valorizar algodão doce e a empinar pipas. 

As coisas se encerram quando estamos flutuando. Sabe a sensação de achar que guardamos um biscoito mas descobrir que alguém pegou e só ficou o pacote? É...

Mas de repente, as folhas de outono rodopiam no chão. Passa o caminhão de gás. Lembro de cê contar que tinha medo quando criança, diz que já viu um estourar...

Deixei um bilhete, com aquele perfume que cê gosta borrifado e uma trufa de cereja. Estava lembrando do seu jeito engraçado de me abraçar pisando nos meus pés. Sei lá...


Esse texto foi inspirado na música Tempo de Pipa do cantor Cícero, e em algumas outras músicas do seu álbum. Não conhece o Cícero ainda? Assiste aí: https://goo.gl/W2wgPY

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Eu não quero ser Teresa.



Não, obrigada, eu não quero ser Teresa. 

Não sei transpor pedras, não consigo me combater. Faço absolutamente tudo errado, basta ver linhas tortas que estou lá a trilhá-las. 

Teresa não. Acertava até no erro, amarrava o sofrimento. Tinha a textura delicada duma pétala de rosa, exalava suave como a mesma. Sensível extrema desde o último fio de cabelo, até o dedão do pé, dessas que não conseguem nem olhar céu bonito sem se derramar. 

Só nisto nos assemelhamos, eu, que quase verti em lágrimas ao descobri-la assim. Chorar me dói fisicamente, no entanto, chega a ser ridículo o fato de ter eu que lutar bravamente para segurar as lágrimas diante de um céu bonito, uma bela canção ou criança brincando. 

Até nisso me é superior. Jamais conteria uma lágrima, deixava-as rolarem, vindo para fora e limpando a alma por dentro. Eu, de tanto conter lágrimas tenho a alma embaçada, alma que vê muito pouca água para estar cristalina. 

Teresa era solícita, obediente, tinha seu eu domesticado. Encarava-se de frente, assumia-se, e logo ia consertar suas mazelas. Já meu eu, é tão solto que eu nunca nem consigo encontra-lo. O tempo que deveria ser gasto em ensiná-lo, perco o procurando. Fico rouca de tanto o gritar, ele insiste em fugir. Chego a pensar que não dá para se passar uma vida inteira sendo eu mesma, um eu sem eu. 

Ela fechou os olhos, recolheu-se de tudo. De uma vez só, respirou, olhou, ouviu, sentiu, e decidiu: ‘renuncio a mim mesma, salvá-los vou’. Pois a si mesma já tinha salvado, sublimou seu sentir, agora muito menos humano e muito mais divino. No escuro, na dor da redenção, na solidão. Já eu, anseio desesperadamente sentir. Absorvo cada sensação como se fosse a última, a única, sinto todos os sentidos vibrar com este mundo. As cores, os cheiros, os sons, as risadas, os abraços, os olhos, os movimentos... tudo ferve em meu coração. Quero não necessitar tanto das pessoas que amo, mas ainda preciso delas para senti-Lo. A humanidade está entranhada até a última célula do meu ser, essa carne que lentamente apodrece me impedindo de ir além, de me aproximar do inatingível. 

Era corajosa. Viu o sofrimento, lançou-se nele de braços abertos, com boa disposição. Alegrou-se no martírio, confiou até o fim. Conhecia-se milimetricamente, por ter si aprofundado em si mesma, era muralha que recobria todas as suas fragilidades. Eu, quase me consumo, sendo mais medo do que gente. Tudo que me fascina, me inspira o dobro em horror. Não consigo dar meio passo sem tremer deliberadamente. 

Teresa amava com uma intensidade não expressa suficientemente em palavras. Era toda amor. Na fala, no pensamento, no agir, nos olhos. Já eu, tenho sede de amor, querendo engoli-lo em todas as suas formas sinceras, vibrando para distribuí-lo por aí. Mas não posso, porque não o tenho o suficiente nem mesmo para mim, e sou completamente incapaz de me apaixonar. Deprimo-me por não entende-lo, por ele ser simples a ponto de eu não conseguircompreender. 

Teresa gosta de flutuar, eu de cair. Teresa sabe sofrer, eu sinto um incômodo crônico e intangível na alma. Eu penso que sei de algo sem saber de nada, ela sabia de tudo e acreditava-se criança que nem mesmo sabia ler. Teresa sabia lidar com as rosas, eu sei furar meus dedos em seus espinhos. 

Como ela mesma soube reconhecer, pessoas têm capacidades específicas. É por isso que ao menos isso eu consigo ver, enxergar que Teresa é balde pare encher-se de água fresca, eu sou mero copo. Ainda sim, estou preenchida em menos da metade. É por isso que sigo a implorar de joelhos, água, água, água. 

Não, eu não quero ser Teresa. Não quero sê-la, porque eu não consigo ser Teresa. Folhas e rosas complementam-se, não dá para uma ser a outra.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Diáfano.






As rosas me perseguem, não importa aonde eu vá. Os cheiros também. Das rosas, do mundo, da casinha por detrás da igreja, de confortáveis flores e madeiras. Cansei de me perguntar, Deus sente? Se sim, será um sentir aguçado, refinado, não egoísta, oposto ao nosso. Este é guloso, gosta de absorver-nos por inteiro. Nós precisamos de cheiros, lágrimas, respirações, toques, sons de risadas... já Ele pode ter tudo e não deve precisar de nada, enquanto temos quase nada e precisamos do tudo. Não posso ter linhas assim tão quebradas, nem sentir-me tão indisposta. É por isso que hoje quase implorei-o para sorrir. No fim, tudo podia se resumir em acordar pensando “hoje, eu vou ser muito feliz” e deitar-se concluindo “amanhã a felicidade poderá ser mais”. Porque o sol nasce para iluminar. Iluminar, e nada mais.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Rapte-me, camaleoa.

Menina que não é dos olhos, que é a materialização de uma ideia abstrata, assim é impossível achar-se! São tons demais e a maioria das pessoas são daltônicas, quantas vezes terei que lhe explicar? É bom que tenha perdido seus excessos de mesuras, sua simplificação, mesmo que mal simulada, é tristemente bela, assim como todos os problemas insondáveis do universo. Sei que de tanto querer expandir o universo ao seu redor para observá-lo em sua amplitude, acabou por contraí-lo em si. Bem sabe que não pode retê-lo, pare de tentar fingir que entende, que consegue segurá-lo e continuar sorrindo. Eu sei que alegra-se por ter descoberto o quão pequenos todos são, mas isso não a concede o direito de deixar para lá tudo isso. Logo para você, que deixar para lá nunca foi opção, basta lançar as coisas para alto para elas retornarem sobre sua cabeça com total impacto. Não se queixe desses joelhos ralados, pare de fita-los que acaba por parar de doer. Sendo você dada as coisas oscilantes e as meias tragédias, não pode queixar-se de penderem para si tais belezas. Mórbidos, patológicos, sublimes, enervados, tolos... como consegue conter tanta paixão desmedida? Sei que possui gosto por mirabolar histórias psicológicas, talvez derrame tudo por ali. Compreendo que é livro não lido, mas tem que pensar na possibilidade de algum dia resolverem lê-la. Como explicará tanto rabisco, borrão, essas letras oscilantes seguidas por linhas firmes e bem traçadas? Entendo que não está aberta a possibilidade, mas quem chegar vai roubá-la em silêncio, quando notar já estará com os olhos cravados em suas linhas. Anda tão apaixonada pela vida que tem se esquecido de respirar. Cuidado, menina. Não perca o ar, que é sua condução. Acredita que toda legislação do mundo, toda regra moral, poderia ser unicamente substituída pela lei do amor, que deveria ser o regente de cada ciclo individual que compõe o grande ciclo. Mas desconfia não saber o sentido de tal palavra. Olha, passe qualquer dia para tomar um café ou comer um chocolate. Vem derramar seus pensamentos cantados por aqui. Onde não há nada plantado, ainda há muito a se colher. Percebo o quão escorregadia e adaptável é, mas creio na possibilidade de um dia segurá-la com as mãos. Quem sabe assim consigo extraí-la a essência, a qual creio ser mais simples do que se é possível imaginar.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

"L" de Lillo, "L" de lua

O sol pega o trem azul, você na cabeça.

Às vezes ansiava sentar na lua e observar a eternidade silenciosa e escura, comendo talvez um chocolate, ouvindo quem sabe uma boa música. Sendo rascunho, queria também ter o poder de rascunhar as pessoas escritas. Ou de apenas se transportar para um momento bom, aonde houvesse um som de viola dedilhada, uma brisa com cheiro de mato, águas que refletissem a luz do sol. Gostava de mochilas, de chaveiros coloridos e de carregar sentidos nos mesmos. O em formato de coração era macio, para lembra-la de acreditar, havia um de pedrinhas coloridas que dava vontade de sorrir, e o de desenhos egípcios, era para lembra-la dos mistérios da vida. Pensava numa estrada de chão, dois pares de all-star completamente imundos da terra vermelha, de dois corações que não se contaminavam com as imundices do mundo. Ela achava engraçado a palavra “imundice” parecer descender de “mundo” e a ideia de que o dedo apontador é aquele que “aponta dor”, como diz o seu nome. Ele achava engraçado ela achar graça nessas coisas. A estrada de chão dava numa bica de água gelada e cristalina. Ela tirava o tênis, fazia festa na água. Dizia: “minha filha vai chamar Lillo, com dois “eles” pra parecer que Lillo é nome de gente, coisa que não é. Mas é tão bonito.”

Ele ria, que é tudo que tem para se fazer nessa vida. Rir.

Ela parecia trazer na alma todo amor, todas as dores insuportáveis, o canto de todos os pássaros, os antídotos para as más disposições e todas as lágrimas salgadas do mundo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Duda!



Duda usava sempre uns vestidinhos muito curtos, muito soltos e muito coloridos, junto com tênis all-star igualmente coloridos. Sempre me perguntei aonde ela encontrava aqueles tênis laranja, azul-piscina, roxo, numa cidadezinha daquele tamanho. Os cabelos volumosos costumavam estar presos em um coque meio preguiçoso, caído e cheio de fios soltos. As pernas longas e finas, o nariz também estreito e meio arrebitado, uns olhos castanhos gigantescos... é inacreditável imaginar que esse conjunto mais ou menos excêntrico formulavam uma garotinha de dezesseis anos realmente bonita. Não que minha opinião seja assim tão certeira, afinal de contas, ela sempre me despertou um grande encanto, influenciador na minha concepção de sua beleza. 

Sua presença era a primeira coisa que eu notava ao ir visitar vovó, destacando-se mais que o maravilhoso jardim que vó Tita cultivava no quintal dos fundos, mais que os tachos dos meus doces preferidos, ou os milhares de gato que a vó tinha em casa. Eu, cara criado na cidade, tinha todo aquele bucolismo interiorano como um pedaço de paraíso, mas costumava desfrutar mais da presença de Dudinha do que da cidadezinha pequena, ou da casa de vovó. 

Sendo vizinha, costumava ficar quase que o tempo inteiro lá na casa da vó. Dona Tita amava a menina, que apresentava grande interesse pelas atividades mais banais realizadas por ela: a vó remendando roupa do tio João, ela em cima: “Dona Tita, e esse botãozinho caído, como faz?”. Vó fazendo doce, lá estava Duda oferecendo-se para mexer os tachos, perguntando como se fazia aquele doce. Ela começava a cantarolar, e sua voz eram sinos badalando. Ela nem imagina quantas vezes deitei no sofá da sala e abaixei o volume da velha televisão apenas para ouvi-la cantar. Até mesmo os presentes da menina eram especiais: num deles, dera a vó uma coroa de flores frescas colhidas por ela mesma no quintal, sabe-se lá Deus como foram remendadas. 

Curioso é pensar que Duda não costumava conversar comigo, mas adorava conversar com os gatos, os cachorros, o meu priminho recém-nascido e as plantas do quintal. Eu chegava, ela me sorria, e só. O registro das vezes que ela dirigiu-se a mim são curtos e profundamente marcantes. Certa vez, meu celular tocou. Algum colega de quarto da república perguntando quando eu voltava, pois tínhamos um trabalho para terminar. Eu respondi, desliguei. Duda olhava para mim com expressão de dúvida, me engolindo com os olhos. Devo ter gaguejado ao perguntar “O que foi?”, eis que ela respondeu com outra pergunta, “Por que você usa isso?” e balança a cabeça com desprezo em direção ao celular. Eu ri com certa superioridade ao responder. 

“Por necessidade, Duda.” Eu disse como se estivesse proclamando a maior verdade da humanidade. 

“Estranho...há alguns anos ninguém tinha isso, mas todo mundo vivia e dava tudo certo.” Falou olhando para o nada, como se refletisse sobre o tema. Porém foi desperta da sua reflexão rapidamente, um dos gatos gordos passou e ela apressou-se em travar um diálogo com o mesmo e tomá-lo nos braços. 

Ela era assim, não tinha o hábito de passar horas se torturando com os temas humanos, mal que nós acabamos por adquirir. Gostava mais de contemplar a natureza e seus mistérios. Tinha o hábito de montar grandes arranjos de flores frescas que colhia cantarolando no quintal da vó. Sentava-se num banquinho que costumava lá ficar, e ficava longos minutos batendo os pés de all-star coloridos no chão, olhando para as plantas, além do que eu podia ver. Foi numa dessas que me surpreendeu na porta da cozinha a observá-la no quintal. 

“O que faz aí?”, perguntou curiosa. “Senta aqui, comigo.” 

Confesso que a tranquilidade e a forma vaga com a qual ela dirigiu-se a mim me constrangeram um bocado. Mas fui, tentando parecer o mais natural possível. O banco cabia dois. 

Sentei-me, fiquei olhando para as flores do jardim ou mais para longe, talvez. Não sei. Só não pude encará-la. Aquela garotinha possuía um dom incrível de me constranger profundamente, como se sua existência fosse sublime, e a minha, miserável. Além de tudo, era como se eu possuísse consciência disso, e ela não. Então o ar preencheu-se de um silêncio bordado apenas pelos cantos dos pássaros, um silêncio comum a Duda e constrangedor para mim. 

Ficava difícil respirar. Consegui baixar os olhos até suas mãos, sobre seu colo ao meu lado. Ela segurava um terço cheio de pedrinhas coloridas de minha avó. Ela amava aquele terço, e naquela manhã antes de sair para feira, tinha visto a vó dá-lo para ela, finalmente. 

“Você estava rezando? Desculpe-me se atrapalhei, eu não vi...” 

“Não, tudo bem.” Respondeu-me preguiçosamente, com tom de quem diz uma coisa pensando em outra, refletindo sobre algo. Soltou depois de alguns segundos de suspense. 

“Eu gosto muito dele...”, disse virando a cruz do terço entre os dedos longos. 

“Jesus?...” 

“É... ele é bom, e acreditou nas pessoas mesmo quase não tendo motivos para isso.” 

“Ah.” Nunca me senti tão estúpido na vida e incapaz de travar um diálogo. Não dava para começar perguntando como ela estava, ou o que achava do tempo... Só consegui dizer, 

“E do que mais você gosta?” 

Olhou para os pés, pensativa. Num lampejo, olhou para frente, olhou para mim, sorriu, e disse: 

“De corujas!” 

Minha vez de rir, mais do tom usado por ela do que da resposta, que também não deixava de ser engraçada. Ê, Duda. 

Soltei uma risada, muito sincera. Consegui encará-la. Céus, seus olhos eram realmente grandes, e brilhavam como se estivessem prestes a derramar lágrimas. ‘Será que ela queria chorar?’, pensei. Mas na verdade acho que eles sempre possuíam aquele brilho líquido, eu é que nunca havia olhado tão de perto para reparar. 

Olhar de perto. O excêntrico, o sublime, o diferente... Olhos, cílios, lábios, bochechas... a humanidade, a feminilidade também estavam ali presentes. Eu senti na pele. 

“Por quê?” consegui questionar. 

“Porque elas parecem saber de coisas que ninguém sabe, gosto de imaginar o que seriam essas coisas. E porque tem aqueles olhões que parecem enxergar além do que se vê” 

Ela falou olhando diretamente para mim, diretamente em meus olhos. Revirando minhas lembranças, isso nunca havia acontecido antes. 

“Exatamente igual aos seus.” Eu sorri enquanto a olhava. E agora eu sabia ser um sorriso diferente que se pronunciava em meus lábios. Meus olhos estavam naquela de subir e descer entre seus lábios e seus olhos, meu coração tremendo como se eu fosse a garotinha juvenil, e não ela. 

Situação ridícula, pensei. Uma sensação indomável e impalpável tomou-me. Eu queria beijá-la. Entretanto, não me parecia certo. Não de uma forma moral, convenhamos que um estudante de vinte anos mais do que habituado à realidade de uma grande faculdade, não possui assim tantos dedos para simplesmente beijar uma garota. Mas Duda não me era tocável. Não conseguia imaginar-me sobre seus lábios, apertando-lhe a cintura com desejo, esse mero clamor da carne. Era com quebra-la, como interrompê-la em seu universo fantástico. 

Mas era justamente sua áurea fantástica que me impulsionava a mais querê-la, quase como se eu, mero humano medíocre, só tivesse aquela forma de correspondê-la a altura, fazendo-a sentir a carne. 

Todo esse pensamento distorcido tornou-me ainda mais ridículo diante de mim mesmo, o que não me impediu de me inclinar um pouco, acentuando a premissa do beijo. 

Ela arqueou as sobrancelhas de um jeito estranho, como que decifrando o que eu faria. Olhou para o chão, sorriu rindo, daquele jeito de pais dizendo aos filhos “ê menino, travesso.” Seus olhos caíram novamente em mim, sua mão, segurou meu ombro. 

“Você não quer fazer isso.” Milhares de cachoeiras gélidas fluindo de seus lábios, ainda com um sorriso compreensivo, de elevação. Esta mesma, que eu tanto admirava mais que por um instante me encheu de ira. 

Ela levantou e saiu, cantarolando e colhendo flores no quintal. Eu sentado, observando. Meia hora mais tarde, meus batimentos ainda estavam descompassados. 



A lembrança dessa manhã ensolarada, do sol-Duda quase a ofuscar-me, me é viva na lembrança, ainda me atrapalha o coração. Tento não entrar nas suposições que são enlouquecedoras: e seu eu tivesse insistido? E se a tivesse agarrado? Se tivesse tido a coragem de me aproximar mais, de tentar conversar, tocar com a ponta dos dedos seu universo? 

As visitas à casa de vó Tita tornaram-se escassas até findarem por completo, devido ao aperto nos estudos paralelo a um aperto financeiro, sendo longe a cidadezinha, sua passagem era bastante cara. A vó não andava bem do coração, insistia na comida gorda. É triste pensar que três anos depois voltei para vê-la num caixão, a casa apagada mesmo com o jardim florido, os vizinhos lamentosos pela querida dona Tita. 

Não pude deixar de perguntar sobre Duda a sua mãe que lá estava. Havia se casado com um moço importante, um tal de Nunes, dono de cafezais, geneticamente rico e dado aos negócios do café, que por aquelas bandas rendiam bons lucros. Estava grávida de três meses. 

Minha melancolia aumentou. Fui olhando para as flores vivas sobre o corpo morto da vó, fui pensando na morte viva de Duda. Como um homem podia toma-la como mulher? Causava-me asco imaginá-la grávida, inseri-la na vulgaridade da nossa vida banal. A fada vivia no mundo da beleza dos detalhes dos bordados, da colheita das flores, da contemplação da divindade da natureza, dos tachos de doces, de uma filosofia grandiosamente maior que nós... tudo acabado. 

Vinha um sujeito qualquer, daqueles que provavelmente dava flores sem escolhê-las como se qualquer flor fosse qualquer uma, que teria sentimento de posse e orgulho sobre ela, orgulho de prender uma fada na gaiola. Ela sofreria as dores de um parto, amamentaria, cuidaria da casa e do marido, seria sombra naquela cidade ainda muito antiquada, na qual o sexo ainda definia sua posição social. 

E pensar que tive eu esse desejo, de tê-la dessa forma para mim. O asco também atingiu-me, tivera em mim o impulso de tocá-la como aquele homem havia tocado. Duda chegou depois com o distinto senhor Nunes, cumprimentou-me cordialmente, de preto e sapatos fechados, irreconhecível. 

A vó sendo enterrada, todos muito tristes lamentando uma morte, e eu, lamentando duas. O túmulo sendo fechado, vó Tita definitivamente indo. Jaziam ali, Tita e Duda. Quem vivia agora, era Maria Eduarda Nunes, que eu não conhecia e não fazia questão alguma de conhecer.

sábado, 6 de abril de 2013

Aparências.


Tudo bem, eu disfarço. Eu visto. Eu vou. Eu uso. Eu compro. Eu sorrio, rio também. Eu escolho esse. Aquele? Ok, escolho aquele. Eu espero. Eu esqueço. Eu mudo. Eu paro. Eu entendo. Eu peço. Eu faço. Eu acordo. Eu levanto. Eu fico. Eu vou. Eu vivo? 


segunda-feira, 25 de março de 2013

Sã e salva?

Às vezes tento me fazer compreender que não dá pra fugir. É fato que ninguém pode me salvar de mim mesma, e impulsos destrutivos são o que não me faltam. Amargamente, tenho que admitir que não pensar a respeito de tudo aquilo que é agonizante, não faz com que essas coisas sumam. Apegar-me a beleza, a bondade, a sutileza dos momentos puramente bons, não deleta toda a incerteza. Não dá para arrancá-los todos como se fossem ervas daninhas, não me canso de observar precipícios. Estou sempre prestes a desabar em mim mesma, ou a alçar voo. Tenho ansiado a frieza e a indiferença que nunca poderei ter, tenho ansiado o fim dessas teias imaginárias em mim. Tenho precisado de algo, estou numa busca frenética por ainda não sei o quê. Irritam-me todas as minhas sensações indefinidas, pairando pelo ar, intraduzíveis. Não entendo como posso possuir maior capacidade de cortar grossas cordas do que finas linhas, talvez porque a delicadeza das mesmas me fascinam. Coexisto sendo uma, fragmentos. Os minutos passam e o sono não vem, o pescoço dói e o sono não vem, as frases passam e o consolo não vem, as coisas transitam e a vida quase não vem.

domingo, 27 de janeiro de 2013

“Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos”.

Quem de nós será o cordeiro? Quem de nós será o lobo? Há um lobo caminhando na pradaria verde e saudável de cada ser. Nunca se sabe o quanto ele a vai devastar. Somos lobos em pele de cordeiro? Ou talvez, cordeiros em pele de lobo? Ou quem sabe só almas vagantes demais, com espaço suficiente para subsistência de um lobo e de um cordeiro que entre o desequilíbrio da luta, ardorosamente tentam alcançar seu equilíbrio. Há quem cedo reconheça a necessidade da harmônica convivência das partes, há quem passe uma vida inteira tentando matar um, ou outro lado. Há quem se construa. Há quem se destrua. Há quem se abstenha. Há quem não se importe. Há quem não se “há”. Perderam-se em se encontrarem. Todos eles, todos nós. Eu não estou no eles, eu não estou no nós. Eu só estou. Eu, e Deus. É por isso que nunca me encontro. Gosto de flutuar por aí.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

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A dor excede o corpo que não a compreende.
na lágrima seca, na agonia latente
Quero que vás, mas não deixo-te ir
deixe-me só seus porquês
e feche a porta antes de sair.

sábado, 5 de janeiro de 2013

És um senhor tão bonito...



Oh senhor tempo! Estenda-me os braços por um instante, apenas. 
Na levada desta brisa macia, anseio abrir em ti uma fenda e deixar-me levar. 
Siga desenrolando-se, mas permita-me ver o desenrolar das nuvens, o balé dos pássaros
 e sentir o toque de tão carinhoso vento, 
este mesmo que me fez parar para escrever um pouco e amar demais.
Não me sejas tão cruel, dá-me a graça de viver todos os meus minutos de eternidade! 
Pois parte de mim te ama, já que tu me permitistes ultrapassar os tropeços do amadurecer, 
enquanto outra despreza-o por ter sido o senhor, o ladrão de tanta leveza, inocência e doçura, 
que agora jazem enterradas, 
despertando-me a nostalgia dos meus dias de fada.