Há nela um ritual que consiste numa forma única de cruzar as pernas. A sofisticação com a qual pergunta um irônico “como?”, arqueando as sobrancelhas também é incomparável. O sorriso leve bordado pelos lábios vermelhos, esconde um coração pesado, já poluído pelo fardo do chumbo de nossas relações humanas, tantas vezes fétidas e deploráveis. Lola requebra ao andar pelas ruas, no ritmo das batidas de seu coração que vive sendo re-quebrado. A moça anda com passos fundos e certeiros, como se cada respirar de sua existência fosse decisivo. Com uma graça meio atrapalhada, ela vai passando pelas ruas.
Permanecendo nas memórias dos olhos que puderam desfrutar de seus passos requebrados. Ela é sempre um vento em cores de roupas coloridas e rodadas, cabelos esvoaçantes, mesmo sem vento (a pressa com a qual caminha, cria-lhe o vento), uma leveza pesada. Assemelha-se àqueles machucados ralos, que soam como meros arranhões, mas que se tornam uma dor chata, que a gente se lembra o tempo todo. Mero risco profundamente marcante. Lola não passará por sua vida sem consumir-lhe por seu cheiro de cereja e frescor, por sua vida desesperadora e pulsante, essa necessidade espalhafatosa de existir que traz em si.
Lola não ri alto, não fala alto, mas existe alto. Alto são também seus muros, bem guardados por trás da boca pintada, da maciez das curvas cheias e da voz. Os olhos grandiosamente redondos, lhe enrolarão nos cílios espessos e longos, que se movem lentamente, pois ela possui também sua forma própria e hipnotizante de piscar. Seus olhos dançantes, farão dançar até o mais profundo do seu âmago, o mais obscuro da alma. Se elas se prendem em tecidos sensualmente apertados, saltos pontiagudos, cabelos milimetricamente arrumados, Lola roda nas saias soltas em babados, dança descalça pelo salão e lanças as madeixas em todas as direções, exercendo a liberdade da alma aprisionada pelos sinônimos, dor e amor.
Não queiram tirá-la a acidez. Seu ácido corrói lentamente, sua ironia demora dolorosamente a ser compreendida, sendo a própria presença de Lolita, irônica. Depois de viver e reviver, doer e re-doer, as situações não são para ela mais trágicas e complicadas, apenas divertidas. Logo, a ela basta morder os lábios daquela forma, enrolar os cabelos entre os dedos longos daquele jeito, lançar sem entregar aquele mesmo olhar, e depois recuar divertidamente. A você, basta ser completamente estrangulado nas cordas de seda da doce praga.
Ninguém consegue possuí-la por mais de alguns olhares, nem ela mesma se possuiu. A lei regente de não se deixar aprisionar que traz em si, aprisionou-a na mais confortável e gélida chama da fugacidade, do sempre envolver, mas nunca ser envolvida. Ela é um desafio desejado, mas nunca aceito. É veneno inofensivo, doce crueldade, uma bondade obscura como torres de mosteiros. Por trás de todo o seu ácido estranhamente delicioso, há um coração doce, não descoberto, inimaginável.
Lola é a vingança a respeito do homem, da sociedade, da imaginação dissolvida, da menininha morta de morte matada e imposta, da amadurecência. Oh Lola, quem ousará te encontrar? Logo você, que é puro desencontro.