domingo, 30 de dezembro de 2012

Oh, Lola!



Há nela um ritual que consiste numa forma única de cruzar as pernas. A sofisticação com a qual pergunta um irônico “como?”, arqueando as sobrancelhas também é incomparável. O sorriso leve bordado pelos lábios vermelhos, esconde um coração pesado,  já poluído pelo fardo do chumbo de nossas relações humanas, tantas vezes fétidas e deploráveis. Lola requebra ao andar pelas ruas, no ritmo das batidas de seu coração que vive sendo re-quebrado. A moça anda com passos fundos e certeiros, como se cada respirar de sua existência fosse decisivo. Com uma graça meio atrapalhada, ela vai passando pelas ruas.

Permanecendo nas memórias dos olhos que puderam desfrutar de seus passos requebrados. Ela é sempre um vento em cores de roupas coloridas e rodadas, cabelos esvoaçantes, mesmo sem vento (a pressa com a qual caminha, cria-lhe o vento), uma leveza pesada. Assemelha-se àqueles machucados ralos, que soam como meros arranhões, mas que se tornam uma dor chata, que a gente se lembra o tempo todo. Mero risco profundamente marcante. Lola não passará por sua vida sem consumir-lhe por seu cheiro de cereja e frescor, por sua vida desesperadora e pulsante, essa necessidade espalhafatosa de existir que traz em si. 

Lola não ri alto, não fala alto, mas existe alto. Alto são também seus muros, bem guardados por trás da boca pintada, da maciez das curvas cheias e da voz. Os olhos grandiosamente redondos, lhe enrolarão nos cílios espessos e longos, que se movem lentamente, pois ela possui também sua forma própria e hipnotizante de piscar. Seus olhos dançantes, farão dançar até o mais profundo do seu âmago, o mais obscuro da alma. Se elas se prendem em tecidos sensualmente apertados, saltos pontiagudos, cabelos milimetricamente arrumados, Lola roda nas saias soltas em babados, dança descalça pelo salão e lanças as madeixas em todas as direções, exercendo a liberdade da alma aprisionada pelos sinônimos, dor e amor. 

Não queiram tirá-la a acidez. Seu ácido corrói lentamente, sua ironia demora dolorosamente a ser compreendida, sendo a própria presença de Lolita, irônica. Depois de viver e reviver, doer e re-doer, as situações não são para ela mais trágicas e complicadas, apenas divertidas. Logo, a ela basta morder os lábios daquela forma, enrolar os cabelos entre os dedos longos daquele jeito, lançar sem entregar aquele mesmo olhar, e depois recuar divertidamente. A você, basta ser completamente estrangulado nas cordas de seda da doce praga. 

Ninguém consegue possuí-la por mais de alguns olhares, nem ela mesma se possuiu. A lei regente de não se deixar aprisionar que traz em si, aprisionou-a na mais confortável e gélida chama da fugacidade, do sempre envolver, mas nunca ser envolvida. Ela é um desafio desejado, mas nunca aceito. É veneno inofensivo, doce crueldade, uma bondade obscura como torres de mosteiros. Por trás de todo o seu ácido estranhamente delicioso, há um coração doce, não descoberto, inimaginável. 

Lola é a vingança a respeito do homem, da sociedade, da imaginação dissolvida, da menininha morta de morte matada e imposta, da amadurecência. Oh Lola, quem ousará te encontrar? Logo você, que é puro desencontro.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Diminuto, de minuto.


Eu sou só uma ideia flutuante, 
possuidora de certo dom cicatrizante,
dou tempo demais ao tempo, 
e aos dilemas falidos que invento.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Carta a mim mesma.

Cara Sarah,

É estranha a sensação de estar aqui comendo este brigadeiro e pensar que em algum momento, todo esse doce se tornará gordura quase crônica, porque com o passar dos anos o meu ânimo para emagrecer que já é bem pouco, se esvairá até desaparecer por completo. 

Os meus problemas com peso são cômicos, por perdurarem por tanto tempo. Espero que ao ler esta carta daqui a uns quinze anos, eu já os tenha superado. Aliás, é por isso que dedico-me a ela neste instante. Preciso, num futuro, prevenir-me de algumas coisas e lembrar-me de outras. 

Tenho dezesseis anos, sensação física de uns vinte e alguma coisa, mente de uns quarenta e cinco, concebida por muito convívio com pessoas, ideologias, oportunidades e situações. E por que não colocar também meu próprio mérito em minha atual concepção das coisas? Talvez uma outra pessoa não visse a vida com meus olhos, mesmo se a tivesse vivido de forma idêntica. Afinal, a personalidade é essa coisa misteriosa e indecifrável, na qual os fatores externos são recebidos de forma diferente por cada pessoa. Em um, o doce torna-se amargo, noutro, amargo se torna doce. 

O fato é que não sei se me orgulho ou desprezo por aquilo que me tornei. Pois, sinceramente, é muito antipático ter antipatia da sociedade. Quero superar tudo isso. Eu realmente queria me encaixar, queria pertencer em totalidade a algum lugar. Por outro lado, é engrandecedor libertar-me dos paradigmas e conseguir construir-me absorvendo aquilo que é coerente para mim em cada lugar, mesmo que isso cause um isolamento social e coloque minh’alma num eterno estado de agonia. Chega um ponto, que ser feita de vários caquinhos de vidro, poderá me conduzir a dois caminhos: posso tornar-me um vitral colorido, quase canônico, que flutua acima da banalidade com o jeito simplório que os sábios possuem, ou apenas uma infinidade de cacos que não combinam entre si, sem contexto ou beleza alguma, possuindo como capacidade única o “dom” de cortar. A segunda opção são as pessoas que sabem demais sem saber de nada, sempre regurgitando fel intelectual sobre os outros. Abomino a ideia de ficar assim. 

Talvez esse seja meu maior objetivo para daqui a alguns anos: superar essa minha indecisão, esse coração flutuante, o não saber quem se quer ser. Apesar de que, sinceramente, acho que vou morrer sendo mil e uma, pertencendo e indo, querendo e não querendo. Esse é um aspecto meu que vem se acentuando com o passar dos tempos, não imagino o processo contrário começando a partir de agora. 

“Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos e sonhos não envelhecem”, disse o poeta de Minas. Desculpe-me mestre, mas terei que discordar. Com o passar dos anos, as palavras meta, objetivo e estabilidade, aparecem em substituição às palavras sonhos, vontades, ideias. A garotinha que sonhava em ser professora desiste, pois lecionar não lhe renderá uma boa situação financeira, o músico torna-se músico nas horas vagas e matemático em tempo integral. Quem dança, canta, atua; vai contar, construir e pesquisar. Será que eu vou seguir escrevendo? 

Será que daqui a alguns anos, sairão de mim parágrafos que vão além de relatórios técnicos? É quase humilhante ter que admitir, mas acho completamente possível que a sociedade me corrompa com seu capitalismo que não é um sistema econômico, e sim um estilo de vida imposto ao mundo. Serei eu dissolvida nesta sopa econômica? Vou aprender a enxergar somente meu umbigo, lançando em seu interior aquilo que me farão acreditar que eu necessito? Se não conseguirem quebrar os meus princípios, é provável que me coloquem num estado de comodismo consciente, o que é muito pior. Desta forma, lerei o jornal, agirei com consciência em todas as circunstâncias, mas não gritarei para o mundo fazer o mesmo. Inteligente e quietinha. Infelizmente, é assim que me imagino daqui a algum tempo. 

Se eu estiver assim, pode parecer complicado, mas dá para, por favor, se mover, dona Sarah? 

Lembra-se dos olhos brilhando, do amor nutrido pelas pessoas e pela arte? Lembra-se das lágrimas inconformadas pela não compreensão da maldade do mundo? Então, por que toda essa frieza conformada agora? Pode ser que com trinta anos eu não pense mais assim, mas acredito que se nosso ardor adolescente, movido pela confusão e as ideologias fossem mantidos por toda a vida, aquele nosso velho clichê que lá pelos vinte se torna cafona se concretizasse: mudar o mundo. 

Daqui a tantos anos essa carta pode soar ridícula. Um devaneio, uma “coisa de adolescente”. Mas se ao menos uma lágrima, ou um sorriso sincero ela me arrancar, quer dizer que não está tudo perdido. Algo permaneceu vivo aí dentro. 

Atenciosamente, 

a Sarah de dezesseis anos.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Nada, não.

Nada tem saído direito.
não sei mais escrever,
não aceito minhas próprias escolhas,
a noite me abandona,
não abandono o que eu deveria abandonar.

o homem é mesmo o lobo do homem.