terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Em 2016, que tudo permaneça


Em 2016, só a Letícia foi a bêbada mais sensacional de São João del-Rei, fundando idiomas e lugares, gritando onde não deveria gritar. Só o Fael apareceu raríssimas vezes, mesmo morando na mesma cidade e estudando na mesma universidade, para me matar de rir falando que caiu no bueiro sem estar tonto. Só a Luana conseguiu me divertir com seu constante estado de vida caótica, multiplicando as 24 horas do seu dia por mil, transformando crises emocionais em degraus, e me fazendo pensar que, se eu quiser,  também posso ser mais e melhor. Só a Rafa coloriu a minha vida com suas tranças longas, seus filtros dos sonhos, a sinceridade do seu jeito de ser e seus abraços cotidianos, que me enchiam de alegria. Só o Samuel me encantou com seus cachinhos e capacidade de conseguir café, sendo uma das poucas pessoas capazes de achar a melodia na minha arritmia existencial. Só a Mai foi um aconchego em Divinópolis, lugar para onde eu vinha e a gente fazia festinha do pijamas juntas - eu ria das ideias românticas dela (que nenhum babaca conseguiu destruir ainda) e me sentia de novo com treze anos. Só o Vitin racionalizou a bagunça emocional que crio na minha mente apenas pela necessidade de drama - "Cê não presta, Sarah.". Só o Chico me ensinou que, para se fazer jornalismo é necessário paixão, vontade, e, acima de tudo, jogo de cintura. Só o Jederson mirabolou mil ideias de documentário pra gente fazer, me ouviu reclamar de filmes bons, e errou as letras do Cícero junto comigo, pelo excesso de álcool. Só o Bruno Boss conseguiu divertir o estágio quando chegava cantando sertanejo. Só a Fernanda me permitiu ser um pouco mais feliz por me ajudar a descobrir que, o importante é a rosa - ela que constantemente me ajuda a cultivar as minhas. Só minha vó desceu a escada curvadinha como ela está, para avisar: "fia, coei café". Só o Kleyton Guilherme chegou na assessoria me chamando de Sarah Rodrigues. Só o senhor Paulo, nas minhas visitas ao albergue, me fez entender que, é imensurável o bem que posso fazer se me dispor a gastar o mínimo do meu tempo com meu próximo. Só o Lucas colocou em mim um estado de infinita saudade, ele que voltou mas não apareceu com aqueles olhos pretinhos. Só a Marina Machado me divertiu com sua risada engasgada. Só morar na Desapego me deu as irmãs que nunca tive. Só minha comunidade, igreja Imaculada Conceição, as músicas bonitas da missa e eu na fila pro frei aspergir água benta me fizeram entender que, sou sim gado de Deus. Só o João me fez companhia quando eu não pude mais lidar com minha incurável solidão. Só a Lays compartilhou crises de curso: estágio, projeto, e chegou a seguinte conclusão junto comigo: isso não é uma vida.Só a Najla mereceu que eu descesse um morro meio embriagada, só para não passar o ano sem poder abraçar aquela miudinha. Só a Cássia foi meu carinho e cuidado, a compreensão necessária sobre minha dificuldade em me apaixonar. Só a Bárbara foi a mesma amiga de dez anos atrás, que senta na minha cama em dias quentes e me ouve falar e falar incansavelmente. Só a equipe do Inverno Cultural - este espetáculo no frio que aqueceu até derreter minha alma- me fez perceber que, jornalismo é o que quero, jornalismo é o que sou, e a arte salva mesmo o mundo. O ser humano é impressionante. Algumas pessoas nos cativam diariamente com o tom de voz ou trejeitos, talvez a simples forma de coçar a cabeça. Outras trazem seu encanto algumas vezes por ano, É sorte encontrar esse tipo de gente.

Só.

Só as pessoas do meu ano foram tudo. Sinceramente? Foi tudo tão incrível que quero que do dia 31 pro 01, seja apenas a mudança de um dia pro outro. Obrigada por tudo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Oxalá!






Oxalá é o Orixá criador do mundo e da espécie humana, sincretizado com Jesus Cristo, pode-se dizer que representa a santíssima trindade cultuada pela Igreja Católica.


Andam dizendo que sou dramática. Sou mesmo, o escândalo existencial em forma de gente. Não sei porque vocês disfarçam tanto, enquanto eu vejo todo mundo escorrendo pelos poros. Cada pessoa é um abismo prestes a ruir. Vão andando pelas ruas, conversando nos celulares, resolvendo o trabalho, tomando uma cerveja com riso baixo, vivendo de modo discreto, mas por dentro, somos todos explosão. Sorrindo, porque contra o sistema cruel que estabeleceram antes de nós, não há  nada que possa ser feito, apenas consentir e buscar uma graduação: biológica ou exata, de preferência. Só os artistas são felizes, com seus rios de escape artístico, enquanto  vamos nos entupindo de toda espécie de pílulas.

Não me excluo. Infinitas aftas atormentam minha língua, que anda escurecida pelo meu fígado ou estômago. E sim, farei drama, vou falar que estou morrendo pela língua, que é o fim do mundo, mãe pelo amor de Deus me busca, eu não aguento mais trabalho, quando escrevo a qualidade sai péssima, não vou fazer a unha porque não quero, eu só queria voltar para aula de canto. Deixa eu espernear minha vida sensacional, porque eu não quero pensar nas dores do mundo. Não sai da minha mente um menininho sujo de lama. Negro, de olhos enormes, segurando um ursinho ordinário e imundo na mão. Apavorado, perdido. Acho que ele existe, e está em algum lugar do mundo. Talvez em Mariana. Ou na Nigéria. Talvez, ele esteja abandonado em Divinópolis mesmo.


Meu grande desabafo: não sei lidar com nada disso. Não sei lidar com a obra-prima do Senhor pisoteada, com essa humanidade morrendo. Com gente de poder destruindo essa terra feita de igreja pedra e sonho, minha Minas Gerais, barroca como eu, tão cheia de vida. Deixa eu lamentar meu fígado amargo manchando minha língua, porque, não quero chorar por Mariana, este fel eu não suporto. Um rapaz de bicicleta passa em frente ao São Francisco e faz em-nome-do-pai. Essa igreja não merece sinal sacro, uma igreja para Francisco de Assis derramando ouro, ele se irrita, tenho certeza. Se bem que, não sei se Francisco é capaz de se irritar. À Exu quando dão motivo, fica bravo. Ossanha, Xangô, Oxóssi. Os orixás são santidades cheias de sangue e vida, de fascinante vigor.

Antes me enternecia ser católica, hoje sei que meu encanto vai além da minha religião: qualquer credo que misticamente queira salvar esta Terra perdida me envolve. Então vamos por favor declamar nossos credos enquanto agimos em favor deles. Visitemos os albergues, alimentemos as crianças, deixemos o moleque jogar. Sinto desesperadamente que preciso doar meu tempo e favor, e algo me formiga, dizendo que se caminhássemos neste rumos, não seríamos explosões contidas, e nossos caminhos quebrados poderiam se acertar. Vamos ser sensuais como Maria Padilha das Encruzilhadas, espertos como Oxóssi, ternos como Gandhi, misteriosos como o povo cigano. Acolhedores como Maria Santíssima, irreverentes como Zé Pilintra, conselheiros como Pai Seta Branca, e bondosos, como Cristo Jesus.


Mas por favor, vamos parar de ser miseráveis.
Não quero ser digerida pela lama do mundo.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Limões


talvez
num momento 
de descuido
deste nosso
silêncio

a gente 
se esbarre
de novo
pra ver que sim
ou que não

entender
que isso
não digere
com água e limão 

domingo, 20 de setembro de 2015

Re-ar-ran-jo





Realoque-se
logo
tirando esses 
sapatos com lama
do meu tapete
de estupendas
certezas
levezas e
estúpidas maneiras
de existir

cortei o cabelo
e lá se foram 
quatro dedos de
pontas ralas
em casa nem desfaço
mais as malas 
pois logo volto pra
São João 

viver sem sutileza
com essa gente
que come 
sem por a mesa
porque tem pressa
demais 
em estar

em 
não sei lá na onde

domingo, 30 de agosto de 2015

Eles




Em algum momento a gente desaba.
Seja por ele, seja por ela.
Eu queria ser dessas pessoas, que vive mil paixões à flor da pele. Sair debaixo de chuva com a cara marcada de choro para implorar que ele fique - na maioria das vezes só imploro que não deixe sequelas quando for.  Dizer um eu te amo sem engasgar. Escrever esse tipo de coisa sem achar que é um tanto de baboseira. Eu não sei da onde veio tanto estrago, se apaixonar pra mim é coisa que ficou nos meus quatorze anos.

Talvez eu só esteja madura demais (quase podre) e esse tipo de sentimento seja demasiado infantil pra morar em mim. Quando alguém me faz uma cócega que seja, meu primeiro impulso é correr. São 01:01 da madrugada, estamos em 2015, e eu ainda não sei lidar com o panda de pelúcia sobre a minha mesa. Se envolver com alguém é assustador. Um couro grosso enrola-se sobre mim, e não sei se tenho pulso suficiente para romper essa casca, aqui dentro tá quente. Quero ficar.

"Que curso cê faz, moça?", tenho tanta preguiça de responder essa pergunta, acho tão desgastante sair assim, beijando as pessoas. Se envolver parece uma corda na qual nós lentamente nos enrolamos. À primeira vista todo mundo parece tão nada, e é tão difícil caminhar até a segunda. Alguém que me mande bom-dia no cinza de uma segunda. Que seja um novo universo a se explorar. O ser humano tem estado superficial porque estamos perdendo nossa ternura. Ninguém repara no instante em que uma mão brinca com os dedos da outra. Ou quando os olhos delicadamente se fecham e um outro alguém deposita um beijo sobre eles.

Somos fracos demais, deixamos tudo solto, tudo prestes a solver. E quando vamos, deixamos prevalecer o pus das feridas, com medo que a cicatrização apague as marcas e tudo nunca mais venha a ser novamente. Falta a coragem de se lançar em alguém, em algo, esquecendo o receio dos tombos.

O amor se esconde entre os trapos da vida.


Princess of China




Às vezes a vida se perde em tantos entremeios. Hoje assisti três filmes, me deram chocolate, ouvi mil vezes Princess of China e lavei minha roupa suja - banalidades de um dia qualquer. Ainda vou rezar um terço, mas agora eu quero escrever. Às vezes parece que nós estamos desabando, que estar aqui é um constante estado de ruína. Os professores despejam conteúdo, as salas de quadros grandes e longos, lembrando o tempo inteiro o quanto é difícil ser bom o suficiente. De repente, estamos todos doentes: as gargantas inflamam, tossimos, febre, antialérgico e antigripal... virei refém de um estúpido remédio de pingar no nariz. Com a mãe ao telefone, ligamos nem que seja para lamentar: "Que cê tá sentindo, filhotinha?" Nada, mãe, só um corpo ruim. Também há em mim uma espécie de nódulo que se forma aqui, sob a garganta, nó emaranhado de sentimentos. Mas mãe, você não pode  compreender isso.

É um estranhamento de viver nessa indefinição. De parecer ter a vida nas mãos, morando longe, bebendo e agindo como quero, mas totalmente refém dessa mesma vida.

Quer dizer, que tirania é essa, gente? De repente a gente tem que comprar remédio, compostos que nem sabemos o nome. Fazer um esforço absurdo para comer bem. As viroses que nos atacam vem com o excesso de álcool e de madrugada, a falta de tecido suficiente para cobrir o corpo nesses momentos. Quando eu subo esse morro enorme, cheia de sacola de supermercado, o sol me derrete, a vida escorrendo pelos poros... aquilo é o Calvário. A tortura que cada um de nós escolheu passar, pelo privilégio das delícias de estudar fora e por um tal de futuro que nos reserva sei-lá-o-quê. Não somos bons o suficiente, é fato. Nem maduros, nem completos. Já perdi a conta dos roxos nos meus joelhos, não lembro um terço de como eles aconteceram. Os sapatos atolados em lama no quintal apontam os lugares espalhafatosos, festas vertiginosas em que estive, em que sempre estamos.

A menina grita, embriagada, no meio do morro, que quer dar. A cidadezinha de pedras e ruas estreitas, das infindáveis novenas à todos os santos se assombra. As gordas mães e donas de casa, moradoras das janelas se escandalizam. São João del Rei não sabe conviver com esse fato: a vontade de dar. A gente não sabe se reprimir. Os meninos brincam, mas é poesia sim: "Que espécie de amor é esse, que o meu amor continua amando todo mundo?". Eu só acho que a gente desaprendeu a amar. Aceitamos o burocrático peso de estudar pelo futuro, mas não sabemos lidar com o mais simplório sentimento humano. Na nossa babaquice absoluta, conseguimos conversar por horas sem falar absolutamente nada, até porque, dependendo da quantidade de vodcka, a gente não lembra no dia seguinte. Nossas palavras estão ao vento, e nos encontramos tanto, que até parece que a gente não se sente sozinho.

A gente se sente sozinho o tempo todo.
"Once upon a time somebody ran, somebody ran away saying 'fast as I can'"




segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Cachecol


fomos sempre cheios
de entremeios
no cachecol
ficou o cheiro.

Universitários, otários

Não podem esperar que sejamos responsáveis,
a gente nem sabe descascar laranja.
comprar verduras.
Abobrinha verde lustrosa,
ou a amarelada?

desdobráveis.
descartáveis.
instáveis.

amor
é palavra que a gente corre
enquanto segura o copo
que não escorre

a gente
tem medo
de se derramar
uns nos outros

quando adoece
liga pra mãe

acha que miojo
é o alimento do mundo
e álcool
o líquido

líquido

escorremos pela vida.

domingo, 9 de agosto de 2015

São só domingos.


Duas meninas moças. Shorts jeans com pernas muito expostas, blusinha qualquer. Sentadas no morrinho que fazem nas portas da garagem. Assunteiam os melodramas que protagonizam o ensino médio.

Dois rapazes. Um para dentro de casa, o braço se encosta no lado da porta, um suvaco -essa palavra de povo e de alma- aberto sobre o mundo, fala com o amigo, que faz que vai embora. Suspeito que conversam sobre carros. Sem-camisa, boné, bermuda, chinelos antigos. Naquela rua inclinada margeada por lote vago, onde sobe um manchadinho cão.

Sinhôzinho e cigarro de palha entendem-se no banquinho de fora da casa. Pra trás ergue-se um terreiro, onde integram-se: galinhas, terra, minhocas e chão. Um fulano-cumpadre passa, para, cumprimenta e conversa.  

As mercearias abrem de maneira mais meiga aos domingos. Durante a semana parecem torturadas pela sina dura daqueles que são trabalhadores e andam com passos rápidos, compram pão de forma e queijo para não ter que visitar a padaria em busca de alimento todos os dias. Funcionam mansinhas, com suas prateleiras estreitas e seus produtos nem sempre com preço. "Valdemar, essa azeitona aqui é quanto?"

No meio de nuvens que se esforçam para se formar, observei pender da janela as flores da minha madrinha e trouxe do café da igreja, pastéis fritos para dona Maria. Pio, latido, como chama os barulhos que os pássaros fazem? Do pé de tomatinhos minha vó não come, os pombos podem cagar nele. Agora imaginem aquela doninha pequena, parecendo um patinho, de olhinhos azuis e brinco de pedrinha verde falando cagar: a vida tem raríssimos momentos de graça.

Neste dia em que se come carnes assadas, recortei num papel um coração pro meu pai, dei presente qualquer e comi queijos. Não é atoa que domingo é o dia que Deus quis para si. Amanhã despeço-me desta terra para ir para outra, onde os domingos cheiram a resto de álcool e os sinos ressoam. 



sábado, 8 de agosto de 2015

Às vezes tenho vontade de prazeres ancestrais, como descascar laranjas. Ver a cor berrante se enrolar enquanto descasco, o cheiro ácido se espalhar pelo ar. Vó fala cascar. Minha vó disse estes dias: é difícil né filha, cê é cheia de alergia, seu cabelo não brilha. Eu respondi que hoje em dia o mundo corre demais e não temos mais tempo para nos reparar: como mau, não percebo, fico indisposta e meu cabelo opaco.Estou observando meus fios crescerem devagar e não tenho tido coragem para cortá-los. Coragem queria ter era para mandar ir tomar no cu, assim, bem feio mesmo na minha boca de "moça de igreja", esses trogloditas que mexem com a gente na rua, levando as mulheres a levantarem bandeiras que nem deveriam mais ter que existir.

Eu nem sei mais quais estandartes carrego. Culta é que não sou, nunca tive erudição para ler nem Guimarães Rosa, e as pessoas acham que escrevo, quando na verdade repasso divagações.Já quis ser santa, observava Teresa e Chiara e sofria por não me assemelhar à elas. As mãos das irmãs são sempre geladas da água usada no serviço, como em "lavai os pés uns dos outros", a irmã Zilda disse que maior prazer era preparar os quartos quando a gente ia para o retiro. Servil, coberta de hábito, sem vaidade para batom e rímel, eu já quis ser assim. Mas graças à Ele, que quis povo santo e pecador, mando minha mãe tirar uns três dedos da saia. É assim que venho: cheia de receios, ataques, instantes súbitos de desejo e inspiração. Depois desfio rosários, mesmo que viva a desafiar a douradíssima Igreja Católica Apostólica Romana, porque a mãe do céu é que nem mãe da terra, deixa de amar se eu desando não.

 E olha, não creio que meus desandes sejam tão desandatórios assim. Nem quando estive contida, de blusa de retiro e escapulários fui tão plena de mim. Porque minha gente, Deus é tudo! Isso é delícia, é cor, é sabor de comida de mãe. Ele é funk, batida do envolvimento. Ele é folhas caídas, dançadas pelo vento, a cor de cobre dos cabelos da menininha. Ele é a capinha laranja-berro do celular da Cássia,  amiga autêntica demais que faz das pessoas universos, e que cada instante em seu convívio é uma oração. Ela, que parou há um ano de ir na missa. Gente, Deus é eu, pegando gravadores e entrevistando pessoas. Jornalismo é sacerdócio, nada pode ser mais sacro do que ouvir e perceber o outro.

Sobre mim, só sei que faço jornalismo, não gostei de O Homem da Mão Seca da Adélia, preciso de Deus acima de todas as coisas, acho amor instável e não me apaixono nem se fizerem oferenda à Ossanha. Por favor, se alguém souber algo além me conte. Faz tempo que não faço as unhas, não as tenho para arranhar ninguém, minhas cutículas estão grandes. Antes bebia pouco café com muito leite, depois mais café que leite, hoje é café puro mesmo. Consolei-me que nunca serei magra, que meu quadril é pra ir de norte à sul. Meu coração é mapa das estradas de Minas: trechos de sol e cheiro de mato, mas com pedras severas nos entremeios.


quinta-feira, 23 de julho de 2015

K A R I N A


karina sai
pegam fogo
seus cabelos
seus medos 
certeiros
estaciona
onde há trevas
e luz
ela
que não pega
na cruz de jesus
que os pastores
levam
gritando
sobre os ombros
eles
que buscam
as pessoas
de supostos 
escombros
Eu não sou
karina
nem pastor 
nem jesus
mas o sol
me ilumina 
com a mesma 
luz

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Linhas Secas



Não sei há quanto tempo não solto uma linha. Há quem leia essas bobagens por aqui, e é por isso que sempre volto. Que tudo gira em torno das duas cidades não há dúvida: a do Divino, e  a das pedras. Mas sobre isso não tratarei mais. Preciso fazer a vida emergir de dentro de mim quando não há vó e café. E que não me tirem da paz essas pessoas rasas, com seus excessos de poses, e que não me sequem o amor, essas pessoas desérticas. Porque de tudo isso eu cansei. 

Eu, que tenho um jeito torto de andar, que nenhum anjo esbelto tocou corneta ao nascer, não estou aqui para esperar nada de ninguém, e por nenhuma pessoa. A sensibilidade dispenso aos textos, o resto, resolvo como par ou ímpar. Sou a própria impaciência, mesmo em meio a minha bondade estúpida. E quando vou embora, não deixo bilhetes de tchau. 

Tenho a impressão de estar sempre me adiando. Precisava escrever mais, entender de literatura, adiantar-me em meus trabalhos e estabelecer uma rotina de oração que me alcançasse o indispensável elo com Deus. Mas me deram um cobertor felpudo, e tudo o que quero é enrolar-me nele e dormir indefinidamente, reduzindo minha humanidade à miséria extintiva. Teresa tinha as rosas, Chiara a doçura, Antônio os lírios. E eu, tenho mãos secas demais. Além do sono excessivo, é claro. 

Há dias que não sei porque me movo. O moço precisado afasta-se por quilômetros, e a minha fé, anda desacreditada no mundo dos pastores. Penso, penso e penso: porque corro como formiga louca e operária, entre esses campus, entre esses anos, entre esses panos? Nós jornalistas somos manipuladores, independente da beleza da alma dos meus professores. Perguntamos esperando respostas.

Para a vida lanço perguntas irrespondíveis. Eu, de joelhos suplicando, e ela, devolvendo o silêncio dourado e fedido de madeira dessas igrejas barrocas: Deus não está nelas.   

quarta-feira, 20 de maio de 2015

É a última vez que falo sobre nós

foto: Kleyton Guilherme

Ultimamente o que mais tem me irritado são as pessoas que andam lentamente sobre os passeios. Eu, sempre apressada, com minha mochila e meus mal hábitos pesando sobre as costas, e as senhorinhas comentando do Tião com aqueles passinhinhos comedidos. O nome desse lugar eu nem quero citar mais, essa cidade pesa até na pronúncia, é um "delll" muito arrastado, enrolado demais. Até tento fazer poesia com isso mas não dá, o cerne da minha questão é banal: o que que eu tô fazendo aqui, tão longe de casa? Cadê minha vó descendo as escadas com seu andar curtinho, abrindo a porta lá de casa, e dizendo "fia, coei café."?

A gente suaviza com uns sorrisos, um video engraçado ou umas festas mesquinhas, mas a verdade é que a vida tem sido hostil. As casas são escuras. Os autores indecifráveis. Os prazos estreitos. Os campus gelados. As pessoas, da pior espécie. Outra explicação banal: faço jornalismo porque tenho gosto enorme em ouvir as pessoas. E no fundo, não me importo tanto quanto a entrevista é sobre um museu e me contam da mãe da tia ou da vó. Afinal só nascemos uns pros outros e a existência baseia-se nisso, ainda que insistamos em gastar dedos em telas. 


Ô meu Deus, me dá quatorze anos, um quarto cheio de ursinho, Too little too late da Jojo pra ouvir e um namoradinho estúpido. Me dá um livro de química do ensino médio, mas me livra desse peso de habitar esse quarto de paredes rosa-coral cínicas, da dureza que é querer cama até às nove e levantar às sete. Ou só me livra de ser tão dramática e dessas pessoas miseráveis de amor.Ou dessas vaidades estúpidas que me impedem de ir logo para um convento. É penoso querer ser boa e esse excesso de tato, não quero mais  lamentar quando salgo a comida, quero o direito de gritar e atirar as coisas nas paredes e beijar as pessoas sem aviso prévio. Alguém diz: “fala pra ele ligar no 1027”.


Maldita foi a hora que Adão percebeu que estava nu e entramos nessa de ligar no 1027, sair 15 pras onze, descer o morro para pegar um ônibus e ir a oftamologistas. Eu sei que Deus não erra, mas acho tão indecifrável permitir dias que ficam em tons de cinza. Não bastasse o frio, a ausência de cor também sabe castigar. Nesses dias eu queria minha cama em Divinópolis, infinitamente mais confortável. Em São João delll-Rei há dias que tudo em que se quer é um pão que não seja de forma, um bom dia sincero ou alguém que abrace fora um cumprimento. As pessoas aqui não olham nos olhos, só enxergam entornos. As gargantas se inflamam, os dias se arrastam, as greves ameaçam, o pote de arroz já passa da metade - quem vai comprar?-, a moralidade oscila. A cachorrinha chora, com as patinhas detrás do portão, enquanto as meninas apressadamente entram e saem. 


“Se alguém deseja seguir-me, negue-se a si mesmo, tome a a sua cruz e me acompanhe.”, diz o Senhor. Eu pego a cruz, a mochila, blusa de frio e sombrinha e vou. Vivendo sob um traçado de linhas irregulares. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Um cansaço

um buteco de esquina
portas azuis descascadas
um maltrapilho cão

de um moço
se esquiva
meu coração

um moço
uns moços

as pessoas na fila do ônibus ou do pão.

pedras
em São João


sábado, 4 de abril de 2015

um doce.


A poesia vem em palavras
só quando quer.

agora ela é só
esse doce de coco
e o meu jeito meio torto
de gostar desse moço.

terça-feira, 31 de março de 2015

Porque tudo que eu escrevo é bobo

foto: Sarah Rodrigues

Não arrumo bem o guarda-roupa, tenho letra feia, não consigo picar bem os legumes. Eu me desgasto é para escrever. Ô exercício doído, dou voltas e voltas, todo esforço me resulta em pouco. Eu queria: escrever um texto sobre paixões devastadoras, ter eloquência de amores que quebram copos e arrancam cabelos. Mesmo senhora das paixões mornas, gostaria de pegar a literatura com as mãos,  sendo ela  um instante fotográfico, escapa quando não paramos pra gravar. Gostaria de torcê-la até sair um amor bem bonito, ainda que em linhas.

Não fui capaz. 

Eu, que tive o seguinte dia, não sei sobre os amores: fotografei idosos, elaborei e fiz entrevista, descobri num exame taxas hormonais novamente normais, ouvi um professor contar sobre uma cartomante. Mas eu tô com saudade do meu pai. Ô gente, mas que coisa deslumbrante é entrevistar, é descobrir uma orquestra de mais de duzentos anos! Entardecia, e eu fiz uma foto sentada na beirada do passeio da rua mais antiga de São João del Rei. Que profissão encantadora é o jornalismo, esse deter um poder para renunciar. As pessoas do meu dia-a-dia me agradam e hoje achei um intervalo prum amigo. 

Foi tudo uma explosão tão grandiosa de estrelas, que eu comprei um Ruffles. Eu, da penitência de doces na quaresma e dos baldes de chá verde. Fui pra casa lançando o sódio nas minhas coxas feliz, porque eu estudo jornalismo, tenho mil matérias pra fazer, adoro as pessoas, a irmãzinha da Fernanda é linda, a Páscoa taí, num coral eu sou soprano e a vida emerge. 

Vivendo é que se nota.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Intermédios em São João





Foto:Kleyton Guilherme


No banco a moça me fez assinar uns mil papéis. Antes disso, esperei duas horas inquietantes na fila, com um xerox intitulado "O rádio" na mão. Entretanto, o banco estava cheio, e pessoas são muito interessantes no seu desinteresse, não consegui ler. Moças de rasteirinhas segurando distraídas os papéis entediantes de banco. Uma senhora sai puxando pelo braço uma velhinha. Homens braçais aguardam com envelope pardo, com seus bonés desgastados e certos modos ríspidos de esperar. A senhorinha de trás me falando, "tenho síndrome do pânico, hoje tô mais calma porque tomei remédio". Um telefone recebe uma mensagem, um neném espirra, alguns comentam vagamente política... ruídos cotidianos musicam meu aguardo.

Nas ruas, São João del Rei faz do dia um espetáculo. O sol recorta de cores um céu moldando mil torres de igreja. Passam universitários. Observo que andamos meio jogados, com as mochilas tortas, com passos apressados... guardando nossos medos absurdos. Eu corro, quase minha hora de sair com uma mochila também. Todos os dias assusto-me com a coragem absurda que foi, e tem sido, vir para essa cidade de ouro e pedra cursar Jornalismo.

Observo meus professores falarem. A fala deles têm paixão.
A Kátia fala das suas fotografias. Admiro alguém que tenha a delicadeza de enquadrar bem a senhora que reclama do esgoto aberto. O Chico diz: um jornalista precisa conhecer a cidade. São delicadas as engrenagens sanjoanenses. Indo da casa ao Santo Antônio (irônico nome do campus das engenharias) observo senhoras entrarem nos mercadinhos pra escolher tomate. Os butecos desprendem cheiro de pastel frito, os homens se encontrando. Eu afundando o caminho de tanto fazê-lo, indo e vindo, indo e vindo.

 Ainda não decifrei se São João me mata ou me vive. Uma das estações da via-sacra estava aberta por esses dias, enquanto eu passava. Jesus sob a cruz, com expressão e cabelos reais horrorosos. O barroco é um belíssimo mal gosto infinito. Não consigo rezar sob o teto dessas igrejas de ouro. É difícil me encontrar com Deus por aqui, as pessoas são barulhentas. Estudantes falam alto e muito, sem dizer absolutamente nada. Riem, enchem copos, discutem futilidades, e tudo isso tem me cansado muito. Desagradam-me as pessoas excessivas, gosto de quem vem devagar. Agora por exemplo, sinto saudade do Lucas, que me pedia doce. Da Cássia, que faz café. De um moço que só vi três vezes e todas por coincidência, e que não vai mais embora.

Gente me comove muito e eu sinto demais. Não sei o que fazer com tudo isso e por isso escrevo. Como lidar com a assustadora instituição que é o mundo,que é a vida? No banco não pude ler o xerox do rádio porque precisei ler as pessoas. Decifrar as lentas engrenagens que giram a vida em São João del Rei, enquanto estamos aqui como forasteiros, incomodando vizinhos e virando copos, nos destruindo e nos refazendo. Talvez eu tenha mesmo que ser jornalista.  Talvez eu esteja inteira na minha incompletude.

A noite eu rezo, e repito Francisco  de Assis. Quero ser instrumento da paz, e do Teu infinito amor.










quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Um diamante

se eu te falar que eu gamei, ó

O carnaval é uma festa sem cheiros. 
Pelas íngremes ladeiras diamantinenses deslizaram bebidas, juízos, pés cambaleantes, a dignidade de muita gente. É um lugar cheio de história, situado entre pedras. Onde o sol e a festa resolveram parar. Terra quente demais durante as tardes, fria sob a lua, estremeceu todos os meus sentidos. Enquanto a igreja amarela ardia debaixo do sol, um carro passava assoviando, e nós descíamos o morro absurdo, eu pensei que era bonito morar num país que declara: por cinco dias vamos festejar!

Vibrei com tanta cor, corpo, sabor, cheiro e barulho. Porque tudo tem sua hora, e carnaval é hora de esquecer. Há 360 dias para se preocupar com o que vestir, com o que comer, com o que vão pensar de determinado comportamento. E cinco para pegar uma caneca, a roupa mais fresca e cantar música ruim com estranhos. Esse arrocha é pra você que achou que eu tava aqui sofrendo, vai vendo. E eu vi: os casarões históricos refletidos numa infinidade de óculos de sol escondendo olhos já meio fora de órbita. Ouvi: as pedras-sabão vibrando com o batuque de tantos ritmos. Observei a ascensão e a decadência humana. A alegria, a euforia, a dança, seguidas da cabeça entre os pés esparramados na calçada. É uma pena que a grande maioria das pessoas sinta necessidade de chegar a tais estados, mas isso não desmerece a folia boa. Nem o fato de que a Coliseu ganhou uma república para disputar meu coração! República Litraço, o bonde confirmou. Além da mais óbvia constatação: um amor de três dias é infinitamente mais saboroso que um de três anos. 

Aquela cidade reergueu em mim um leque de necessidades saudáveis, meu faminto desejo de equilíbrio nesta vida. Eu quero uma existência em cores fortes: com barulho, gente transitando e ficando, música boa e ruim. Quero copos gelados, e quando tocar então desce, desce, desce menina, eu desço mesmo. Depois eu subo para essas mediocridades diárias, afinal, são elas que contextualizam a diversão. Ah, para expressar bem o que foi meu carnaval, as letras deste texto abobado tinham que dançar. Porque foi isso. Diamantina é a farra boa no meu coração.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Eu, que não me chamo Lola.

Is someone getting the best of you?

Eu chuto os baldes é com as pontas dos dedos. Provoco respingos de água com minhas sãs indecisões. Parece-me que o mundo ao meu redor prende o fôlego esperando o decisivo momento no qual eu viro ou puta ou freira. Eu sinto morar em mim duas metades que de tão incompatíveis se amam, mas que não fecham um todo. Não existo num todo. E se pinto as unhas em tons escuros e deixo crescer, é por genuína crueldade. Há dezenove anos entortei um pouco mais o já descoordenado eixo da terra, tropeçando sem salto, batendo nas paredes da casa pela manhã, brigando com meu peso. Tentando compassar minha arritmia existencial.

Fato é que gosto dos piores rapazes e dos santos mais humildes. Rapazes desgastam-me tanto que fico querendo ir embora de todos ou que algum me apaixone. Sou incompetente demais para ambas as coisas. Eles também. Santos envolvem-me profundamente, nas suas imagens ternas, nas suas histórias bonitas. A luz vermelha dos Sacrários habita em mim. Mas sinto muito frio nos pés. No fim das contas não poderei me cobrir com um hábito, tenho a pele sensível demais a toques. Passo batons escuros por pura preguiça de maquiar, vou-me embora por pura preguiça de sofrer. Não tenho estômago forte o suficiente para o fato de que "te amo" em espanhol é "te quiero". Querer alguém é enlatar o coração, pô-lo em nojento líquido de conserva. Desgasta-me quando me querem muito, desgasta-me quando me querem pouco, não gosto de pessoas pontos-finais. Sou eternamente reticências.

Eu queria ter a fibra das pernas firmes da minha mãe, a praticidade dos seus dedos rústicos. Quando o varal estraga ela o improvisa, se necessário, arranca as cortinas da casa. Tem voz alta para os cânticos de igreja, estressa-se com coisas tolas. Nada disso herdei, o que faço de forma prática é embolar a vida. Embaraçar fios esticados. Comer queijo com goiabada quando tem chocolate. Rezo mil rosários mas não me peçam para escutar música religiosa. Frequento mil conventos mas não me peçam para carregar um bebê dentro de mim. Eu sentia-me monstruosa com minha aversão à gravidez, até que a irmã revelou-me: você é muito maternal, Sarah.

É que cuido com zelo dos meus afetos. Não quero demorar-me mais onde não houver amor. Eu gero vida é com os fogos que desperto, com os cafés que fervo, com a sinceridade das minhas preocupações. Decorei este fato: a parte mais sensível da língua é a ponta. A parte mais sensível de mim são as pessoas. Não vai embora não, sô. Faço um brigadeiro, um doce de coco. Conversa comigo Ana, me conta da vida Cássia. Amei a visita, Jão! Sou fogo, sou ferro, mas também sei ser ternura. Rezo ave-marias para os amigos nas estradas, gosto de observar as faixadas das casas e seus ornamentos. Gradinhas baixas e plantas penduradas nas paredes me agradam. Acho que cedo meu útero só para nascer uma Lola. Tenho necessidades dessas palavras: Lola, cereja, largo, te quiero.

O barroco que me assusta mora em mim, barrocas são minhas curvas. Sou perigosa na finura da minha cintura, na largura do meu quadril, no absurdo da minha fé. Minha religião não conseguiu me domar. Entretanto não há maior vontade em mim do que a de ser boa. Se eu pudesse salvava o mundo todos os dias, não sei mais quantas crianças jogando damas no papelão eu consigo ver sem chorar. Quero chorar todas as pessoas sozinhas existentes. O mundo dói demais pra eu sorrir. É por isso que evoco Francisco de Assis que amava as pessoas, os animais e beijava leprosos. Cristo, quero ser instrumento de tua paz e do teu infinito amor. Mais que fome corporal eu tenho fome de bem.

Por isso permito-me um rabo de cabelo baixo e uma camisa de dizeres religiosos, suporto o cheiro débil, e visito os idosos. Estendo as roupas para minha mãe não ter que subir escadas, intercedo em favor de família e amigos com poucas tendências religiosas. O leve toque dos sinos quando o padre levanta a hóstia é o que rege a vida que há em mim, sou como mosca a rodear essa luz. Eu sei que é só Deus que me completa mas divirto-me com as coisas tangenciais. É por isso que chamo de "meu bem", escolho saias e um nome pra república.

E eu ainda vou desfazer alguns juízos. Tropeçar descalça. Cê é tão sonolenta, revela meu pai.  Desculpa pai, é que as vezes a vida desperta-me alegrias eufóricas mas na maioria das vezes tenho vontade é de dormir mesmo, de subir num colo e ficar por lá. Equilíbrio é o que busco, insegurança é o que tenho. Aprendi a tirar bem as cutículas, descascar mal as laranjas, a engolir as incertezas que cursar jornalismo me traz. Invés de ser peça inteira, quero para sempre ser cacos para um vitral.



quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Gritando


Hoje eu malhei o dia inteiro, malhei esse meu corpo sobrando sete quilos, e minha'lma, que tentei forçar todo o tempo para cima. Gente, eu quero sublimar, pelamor. Cê não tá gorda, Sarah. Seu corpo é bonito. É culpa daquele maldito short. Era da minha mãe quando jovem, um jeans meio gasto de cintura alta. Lindo. Não entra em mim. E a bondade de Chiara Luce?  De Francisco de Assis? Também não cabem na minha alma pequena. Eu fico ouvindo música ruim e querendo voltar para São João. Ô Senhor. Como é que pode caber tanta futilidade numa pessoa só? Me livra disso, me borda com teu amor. Dá-me mais instantes como aquele: da penúltima vez que comunguei, imaginei algo muito bonito. Me veio assim: imagina a emoção de Maria segurando nos braços Jesus nenenzinho. Jesus. Nenenzinho. Quanta ternura numa cena só! Ai. Quero visitar idosos. Suportar os chatos. Ter paciência com minha mãe. Nos meus objetivos para 2015 escrevi: fazer uma caridade todos os dias. Senhor, porque nos tiraste Chiara, quando eu claramente preciso dela? Por que uma santa morre aos dezoito enquanto eu, preocupada com um short de cintura alta, tô viva? 

Caminhando pelo calçadão lembrei-me do gosto por amores subversivos. Gritos, descabelos, vontades ardorosas. Sofrimento, sofrimento, adoro Snap Out of It do Arctic Monkeys. Escrevi numa poesia: "se eu tivesse um amor, cozinhava em fogo baixo, matava devagarinho, porque nunca fui de gritar". Gente, como eu abomino esses lugares comuns: mãos dadas, vestidos floridos, domingos nas praças, mãos sempre na cintura.Eu acho bonito demais o sofrimento, como são poéticas as coisas doentias! Enterro minha insanidade debaixo de muitas contas de rosário. Porque eu não acho que as pessoas são obrigadas a conviver com uma Sarah louca, eu não sou obrigada a conviver com uma Sarah louca aqui dentro. Ai, quero ser bonita só com um batom e um vestido, que nem a Thaís. Cansei de excessos. Não, quero ser bonita que nem a Chiara, só com a luz divina. Honestamente, agora eu só queria descer minhas dez unhas já meio descascadas numas costas aí. Passo por um cara que fala, "Nossa Senhora", eu penso, "tá no céu, meu filho." 

Observo as mulheres existentes. As ministras da eucaristia usam rabos baixos, saltos dicretos e grossos, brinquinhos dourados. Tem essas senhoras de ares cansados e meia idade, que cruzam por mim enquanto caminho no calçadão. Vão repletas de sacolas do ABC, filhos, marido e trabalho tecendo certa curvatura em suas costas. Tem as amigas que falam alto, seguram copos, e me fazem rir. As que me fazem refletir. Tem minha vó me perguntando que letra é pra bordar na toalha de rosto. E eu? Tenho a alma na porta da rua. Falo, "que vontade de te beijar". Quando vou na adoração  levanto e toco o Santíssimo, mesmo sob os olhares recriminantes das beatas sem fervor. Meus braços coçam. Algum matinho misterioso que cerca o passeio de caminhar me dá uma alergia absurda.

Acho que sou mesmo alérgica a relacionamentos. Lembro até hoje do menino que me ligava de madrugada, se passa alguém com aquele perfume doce por mim eu arrepio. Não sei o porquê, foi um trem tão bobo. Acho que gosto de coisas meio bestas. Por exemplo, acho graça demais num cruzamento no bairro da minha vó. O carro da minha mãe passa capengado sobre as pedras. Numa esquina um açaí, na outra, um açougue e mercadinho. Um lote vago crescendo matos, um predinho familiar com enfeitizinhos nas sacadas. Sabe o que é bonito? No mercadinho/açougue tem umas frutas e verduras pintadas nas paredes estreitas. Na parede da minha vó, um folheto com os dias do ano que vem com trechos da Bíblia. Promessa de ano novo, com uma amiga: esse anos vamos nos apaixonar, e chorar por isso. A Laura contando: meu pai rachou o cimento ali pra plantar limão, daqui uns dias esse lugar aqui vai virar uma horta! Eu fico perplexa com a delicadeza do ser humano. Acho que é ela que me faz ter vida em excesso. Eu nem sei o que fazer com tanta vida. Com tanto peso tomo chás, suo correndo, águas de berinjela. E essa ânsia de viver, de gritar que a criação é linda, que Deus elaborou o mais refinado dos espetáculos com o pôr-do-sol? Escrevo.

No fim do calçadão há uma placa explicando o porquê do nome do pontilhão que liga aquele bairro a outro. Certa senhora portuguesa que doou terrenos para algo que não me lembro mais. Minha cidade existe porque por ela passou uma ferrovia. Quando ergueram uma igreja amarela imponente ela passou a respirar. Ando muito aqui para provar que sou bicho da terra, é com gosto que piso esse chão. É com raça que piso o de São João. É com paixões absurdas que se cursa Jornalismo. É com fé que se vive. Sem ela só existimos. 

domingo, 4 de janeiro de 2015

sã?


Se for vir
 tenha a competência de me fazer atirar copos nas paredes.

não ligue
não seja.

esteja.

Se for vir, tenha a competência de me deixar desvairada.

só aceito ser sã
se for ser freira.

sábado, 3 de janeiro de 2015

eu preciso em 2015!



Eu preciso constantemente me inspirar!
    então tenho que tomar cafés,
        pisar gramas,
                                   ouvir histórias de santos,
                            beijar devagar

ter dias de cama bagunçada
e os de arrumar o quarto também.

                                eu preciso de fé
                                                       afeto
                                                       vontade
                                                           doce
                                                              e
                                                               amizade!